segunda-feira, 29 de abril de 2013

Cartório

Estava apaixonado pela Gabriela, fazia de tudo para conquistá-la, mas ela não cedia aos meus apelos, as mensagens, aos presentes. Mas mesmo se mantendo impassível às minhas investidas, parecia estar gostando do assédio, tanto que me recebia sempre, aparecia correndo quando a chamava para sair, pois estava fazendo bem pro ego dela. Isso mantinha minhas esperanças. Uma tarde, vamos tomar um café, e passados dois minutos começo minha ladainha romântica, a Gabriela ri muito. Esperançoso, seguro as mãos dela. Ela sopra um fio de cabelo longo e loiro que escorreu sobre seu olho. “Gabi, eu estou louco por ti. Tanto que caso contigo agora mesmo, sem pensar duas vezes”, blefo. E qual a resposta da Gabi? “Tudo bem, tá vendo ali na frente? Um cartório, vamos agora lá mesmo para casar, mas tu paga a certidão”, responde ela. Ali ela me matou. Olhei e realmente tinha um cartório do outro lado da rua. Engoli seco, e disse que também não era para tanto. “Ah, Chico, tu não é de nada, tu não tá apaixonado por mim, só tá encantado pelos meus olhos lindos”, decreta ela. E a minha “paixão” morre.

A gordinha

A Daniela era uma gordinha hippie que ficava me seguindo lá no Paula Soares. Onde quer que eu fosse, lá aparecia a guria, com uma calça boca de sino rasgada, bolsa de pano à tiracolo. Mas como boa parte dos adolescentes, medo de se aproximar do alvo. Um dia estava no Marinha, jogando bola no campo de areião, sim, naquela época era de areião, e olho pro lado e lá está ela, com uma amiga. E me abana. Quase morri de vergonha. E a amiga me entrega uma carta da Daniela, se declarando. E se meus amigos vissem? Comento o caso com meu pai. “Bah, pai, tem uma guria assim, assado, que fica me seguindo, e que se declarou pra mim”. “E qual o problema? Fala com ela”, orienta o seu Chicão. “Ela é gorda”, disparo. “Sim, e qual o problema?”, continua ele, impassível. “Pai, ela é gorda”. “Bom, vamos por parte. Tu tem a cara cheia de espinhas, tem um dente acavalado (aquele que ficava sobre os outros), usa óculos, é magro que nem um bambu, né? E outra coisa, se tu prestar atenção, toda gordinha é bonita de rosto. Não sei o que tu tá esperando”. Bem, eu tentei. Aí chamei meu amigo Carlos Alberto e contei para ele sobre a Daniela. Ele quis ver quem era a guria. Eu aponto pra ela no recreio. “Izidro, ela é gordaaaaaaaaaaaaaaaaa”, decretando ali o final de meu namoro, que nem havia começado. Afinal, a gente se guiava não pelo que quiséssemos, mas pelo que os amigos achavam. Uns seis, sete anos depois, estou num restaurante almoçando com minha mãe, quando uma guria linda, tipo, deixa eu pensar, a Giovana Antonelli, sim, senhores, creiam, vem falar com minha mãe. “Oi dona Flora, como tá a senhora?”, diz a gata. “Oi minha filha, tudo bem, e a tua mãe?”, fala a Flora. “Tá bem”, responde ela. E eu ali, salivando no prato, não pelo prato. “Ah, Daniela, este aqui é o Chico, meu filho”. “Eu sei, dona Flora, a gente estudou junto no Paula Soares, mas ele não deu bola pra mim, eu era gorda”, dispara a guria. Me caem os butiás dos bolsos. Eu lembro dela, eu fico babando, querendo casar ali, naquele momento, e a vingança dela foi maligna. Beijou a minha mãe, me ignorou e foi embora, saltitando, feliz e linda da vida. No ano passado, 20 anos depois, encontrei a Daniela no Zaffari do Bourbon Country. Ela e a filha, e demos muita risada da minha imaturidade.

Dupla de estudos

A Thais era uma lourinha linda, com o rosto cheio de sardas, e na sétima série a gente decidiu fazer uma dupla de estudos para acabar de uma vez o ano, sem precisar de recuperação. No último bimestre a gente se encontrava todos os dias para estudar, inclusive nos finais de semana. Eu manjava as matérias humanas, mas não as relações humanas, e ela era boa nas exatas. Evidente que tanto grude acabou fazendo com que a gente se apaixonasse, mas eu era muito abobado para abrir meu coração para aquela mini-deusa, mesmo que a gente começasse a andar de mãos dadas, e nada de beijo. Véspera de prova de história, ela decidiu que iriamos estudar na casa dela, à noite, depois da janta. Lá apareço, os pais dela na sala, vendo novela, e ela me leva pro quarto, se deita na cama e eu sento no chão. “Chico, deita aqui do meu lado”, manda ela. Eu começo a suar, aquilo não está acontecendo. Será? O que faço, beijo ela? E se estiver errado? Afinal, sou feio, óculos fundo de garrafa, cara carregada de espinhas. E se ela ficar braba? Bem, tento me concentrar nos estudos, na prova. E matéria revisada, fecho os cadernos, me levanto, dou tchau e vou fugindo rapidinho. “Por que a pressa?”, pergunta ela. “Tá tarde, e tenho de atravessar a praça”, digo, como se não fizesse aquilo com frequência e sem medo. “Bom, pelo menos diz pra tua mãe que eu não tentei te agarrar, apesar de querer muito”, me diz ela na porta do apartamento. Tóing...sim, dias depois, quando decidi ter coragem de tentar algo, já havia sido colocado na friendzone.

Amiga Punk

Em 1984, o Camisa de Vênus fez uma apresentação no Araújo Viana, no rastro do sucesso “Eu não matei Joana D’Arc”. Lá fomos eu e minha amiga punk Márcia. No dia seguinte, nos encontramos ali na Praça da Bronze, ainda roucos, para comentar o show e claro, ficar cantando as músicas – a gente sabia todas de cor e salteado. Aí vem vindo o Lula, um guri que amava Michael Jackson e estava sempre com o disco Thriller embaixo do braço. “Que vocês estão falando aí”, quis saber ele. “Do show de ontem do Camisa de Vênus”, respondo, e ele faz uma cara de nojo. “Por quê vocês escutam estas barulheiras, estas músicas de louco?”, pergunta ele. Wrong, wrong, pergunta errada. Na mesma hora a Márcia olha para ele e mete uma cusparada, mas uma senhora cusparada na cara do guri. “Porque sou punk”, grita ela, imitando o gesto do ídolo Sid Vicious. O que resta ao Lula? Ora, sair chorando. A Márcia era tão punk, tão punk, que anos depois fez concurso público, passou, começou a trabalhar, para um pouco depois, largar tudo e ir viver vendendo bijuterias na rua. Já eu fui ser funcionário público pra pagar a faculdade.

Olhos vermelhos

Eu morava na Vasco Alves, ali perto da Praça da Bronze, com meus 15, 16 anos, e fiz amizade com uma menina judia, Márcia, que era punk. A gente ia pra casa dela escutar música, eu levava meus Lps de heavy metal e ela punha pra rodar os dela, Clash, Sex Pistols, Siouxie and the Banshees, entre outras bandas, mas também curtia vários estilos. Ela que me apresentou Tina Turner, por exemplo. E eu míope desde sempre, usava uns óculos fundo de garrafa, que odiava. Então às vezes deixava-os em casa, mas para enxergar alguma coisa eu tinha de “forçar a vista”. Numa noite eu e a Márcia estamos lá na casa dela, e bom, tá na hora de ir embora, antes que os pais dela me pedissem educadamente, sabe como é, a gente tinha de respeitar os horários na casa dos outros, e tínhamos um alarme simancol próprio – a gente sabia a hora de dar no pé, uma coisa quase automática. Aí tou saindo, indo em direção ao elevador, quando a Márcia sai correndo do apartamento, e me pega pelo braço. E se segurando para não rir. “Que foi guria?”. “A mãe perguntou pra mim se eu notei que tu anda fumando maconha, e pediu pra mim te dar um toque, pois ela acha perigoso”. “Eu?”. Ih, na época eu era imensamente caretão. “Sim, tu fica aparecendo aqui com estes olhos vermelhos, puxados...tu, he, he, he, só a minha mãe pra pensar isso...”. Sim, como eu não usava os óculos, forçava os olhos pra enxergar e eles inchavam e ficavam vermelhos. Muito vermelhos. A Márcia riu muito, pois sim, ela puxava um fuminho, e a mãe dela necas de se ligar...

sexta-feira, 26 de abril de 2013

O vendedor

Trabalhando na redação da Ipanema FM, lá no Morro Santo Antônio, entra um gordinho engravatado, acompanhado de uma guria grávida. Era vendedor de assinatura da revista IstoÉ. Pede uma força, já que a esposa está grávida, e ele precisa vender um determinado número de assinaturas, para ganhar uma graninha extra, afinal será pai. Comovido pela esforço dos dois, faço uma assinatura da IstoÉ, mesmo comprometendo um dinheiro que estava juntando para adquirir meu apartamento. Exato um ano depois, o mesmo gordinho entra na redação da rádio, senta na cadeira dos visitantes, e se anuncia vendedor de assinaturas, como se eu fosse esquecer. E pergunto: “E aí, cara, como tá a mulher e o filho?”. O gordinho me olha com uma cara de que não está entendendo nada. “Como assim, que mulher, que filho?”, replica ele. “Ora, no ano passado você esteve aqui com...” Não preciso terminar a frase. O carinha se entregou, estava mentindo. A guria grávida era a irmã dele, que ele usava como isca para comover os trouxas a assinarem a revista. “Foi mal, né?”, se desculpa. “Cara, tu é um ratão, como tu vai esquecer que esteve aqui?”, debocho, apesar de ter sido enganado. “É tanta gente, tanto lugar...”, lamenta o gordinho, e por pouco não renovo a assinatura.

A carona

Churrasco da turma da Ipanema FM na casa do Fernando Sorriso no Jardim Botânico. Inverno, fazia uns 8 graus. Eu fui direto, mas combinei com o Ernani Campelo que voltaria com ele, já que ambos morávamos na zona sul. Só que apareço com a camisa do Grêmio, e o Naninho é um cruzeirista fanático. “Assim tu não vai entrar no meu carro”, diz ele. “Tudo bem, eu me viro”, respondo. Lá pelas 3h da manhã está mais frio ainda, chovendo, e acabou a bagunça. Achando que o Montanha não falou sério, vou entrando no fusquinha dele. “Sai”, fala ele. “O que é, Naninho?”, retruco. “No meu carro tu não entra com esta camisa”, ameaça ele. Me faço de louco e me aninho no carro. O Naninho começa a me socar e repete que se eu quiser carona, só se tirar a camisa tricolor, o que me nego. Ele tem um acesso de fúria, sai do carro, e começa a chutar a porta do meu lado. Histérico. A galera tenta acalmá-lo, mas o Naninho não cede, começa a ficar vermelho. Saio do carro e pergunto. “É assim?”. “Sim, sim”, berra ele. Acabo pegando uma carona com o Cagê, e fico sem falar com o Montanha por uns dois anos, tempo que ele se muda pra Santa Catarina, e um dia me liga, pedindo emprego, pois quer voltar pra Portinho.

A máquina de escrever

No Correio do Povo, trabalho com um cara que enfurece quando usam o mesmo computador que ele acha ser dele, ou sentam em sua cadeira. Mas já tinha passado por experiência semelhante na Ipanema FM. Eu tinha uma colega que não aceitava que eu lesse os jornais antes que ela, mesmo que eu tivesse de redigir o noticiário pela manhã, ou usasse a mesma máquina de escrever, mesmo que ela não estivesse na redação. E se me flagrasse quebrando as suas regras, abria o berreiro. Pois uma vez, estava usando a máquina, faltava uma notícia para redigir, quando ela apareceu. “Sai daí”, ordenou ela. “Estou quase acabando, falta só esta lauda e já saio”, aviso. “Sai agora, agora”, manda ela. Teimoso, eu ponho o dedo em mais uma tecla, que toca o papel. Neste momento, ela corre pra máquina, pega ela e a joga na minha direção. “Eu disse agora, tu é surdo”, berra a guria. Eu dou um pulo, graças ao bom reflexo, e escapo de ser machucado, enquanto que ela cai no choro convulsivo. Eu pensei que nunca mais encontraria alguém tão maluco numa redação, até topar com o Possas no Correio do Povo.

Porã

Meu sonho de ser locutor na Ipanema FM não decolou, por timidez, gagueira, medo, pânico, falta de ousadia. Tive uma nova chance de apresentar um programa meses depois do apagão das 13h. Por volta das 9h45min de um dia de semana, o operador chega na redação da rádio e diz que o apresentador das 10h, que era o Nilton Fernando, iria se atrasar, e pede que eu abra o horário. Quase me borro nas calças e me nego, temendo novo fiasco. Na mesa do lado sentava um estagiário chamado Iglênio, irmão de Carlinhos, um atacante do Grêmio. Pois o guri, que estava ali aprendendo comigo a redigir o noticiário, aceita o desafio e vai lá apresentar o programa. E se sai tri bem, tanto que poucos meses depois ganhou um horário só dele. Ah, o apelido do Iglênio: Porã.

Pânico

Um de meus sonhos era apresentar um programa na Ipanema FM, se fosse de heavy metal melhor. Mas ficava lá, quietinho, na redação, escrevendo o noticiário, onde viajava no texto, pois tinha total liberdade para colocar nas laudas o que desse na telha. E uma bela tarde, terminei de redigir o noticiário das 13h, coloquei o material na mesa do apresentador e voltei pro meu cantinho. De repente, o operador eterno Genésio de Souza entra na sala, e diz que o locutor não apareceu. Entro em pânico. “Calma”, pede ele. “Vai tu lá e abre o horário”. Vou pro estúdio, sento e espero o sinal do Genésio. A luz vermelha aparece: “No ar”. E o que acontece? Eu simplesmente fico mudo. Não consigo soltar um ai...o Genésio faz gestos, implora que eu fale, e me sinto no filme Os Filhos do Silêncio. Ele é obrigado a colocar uma vinheta, entra no estúdio e pergunta o que houve. “Deu tchuchu”, falo. “Vamos de novo, respira fundo, dá as horas e o tempo, que eu meto música”, ensina ele. Aí consigo fazer o simples, muito simples , e o Genésio põe música até aparecer o apresentador, atrasado. E eu vou ao banheiro me secar, depois de todo o pavor desnecessário.

O Montanha

O Ernani Campelo, vulgo Montanha, é meu brother desde que trabalhei na Ipanema FM, lá no começo dos anos 1990. Ele apresentava o Surf About, enquanto que eu redigia o noticiário, que era lido pelo Nilton Fernando, Cagê, Kátia Suman, Victor Hugo, Nara Sarmento, Mauro Borba e Jimi Joe. Esqueci alguém? Ah, a Mary Mezzari. Bem, um dia estamos na redação da rádio maldita, 93.9, e entra um carinha querendo falar com o Montanha. E vem direto em mim. “Não, não sou o Montanha, o Montanha é ele”, aponto pro Ernani, esquálido, com seus 1,65m e pesando seus 50 quilos, em contraste com meus 1,90m e à época, uns 90 quilos. “Sério, pessoal, não posso perder tempo. Montanha, deixa de brincadeira”, diz ele pra mim. “Cara, sério, ele que é o Montanha”, repito. Bah, levou um tempão pro cara acreditar. Acho que o Cagê entrou na sala e desfez o mal entendido.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Pega na Ipiranga

Eu na carona do fusquinha do Gilson, fotógrafo que trabalhava comigo na assessoria de imprensa da prefeitura de Viamão. Saímos do serviço no começo de noite de sexta-feira e, porras loucas, vamos pra Ipiranga, participar de pegas com outros doidos suicidas. E ninguém usava cinto de segurança. Coisas inexplicáveis, como sobrevivemos a tais loucuras? A gente ficava num posto bebendo e esperava o trânsito acalmar, lá pela meia-noite, e iniciávamos as corridas. Pois numa delas para do nosso lado um outro carro, que eu como total ignorante para isto, não sei qual era. Do lado do motorista, uma gata linda, loirinha, seus 17 anos, olhos azuis. Eu e o Gilson ficamos babando, e começa a corrida. E a gente chega antes ali na frente da PUC. E o Gilson olha pra guria e pro cara do carro perdedor, e solta o desafio: “Ô Mané, tu perdeu a corrida, a gata vem agora com a gente”, diz. O cara dá um sorrisinho cínico e um segundo depois, surge na mão dele um 38. “Como é magrão, tu quer levar minha guria? Vai levar chumbo junto “, apontando o revólver pra nossa cara. Nunca vi alguém acelerar tão rápido quanto o Gilson, eu quase voei parabrisa à frente. Ali acabava minha carreira de copiloto de fusca.

O ladrão

Eu confesso. Já roubei na vida. Com meus 17 anos, entrava nos supermercados e metia nos bolsos embalagens de pilhas alcalinas, que custavam e custam ainda hoje uma fortuna, mas imagina nos anos 1980, com inflação? E eu gastava várias delas por semana no meu walkman, ainda mais quando acionava o toca-fitas. Pois o idiota aqui entrou no supermercado uma bela tarde, e enfiou na mochila uns pacotes de pilhas. Repeti o ato mais algumas vezes naquela semana, sempre saindo ileso. Pois não é que achando estar imune, fui ao mesmo local mais uma vez, enfiei dois pacotes na mochila, comprei pão, presunto e queijo, e paguei estes últimos itens. Quando me dirigia para a porta, dois carinhas vem na minha direção, e um deles pega o meu braço direito. “O rapazinho pode nos acompanhar, por favor!”. Tomei o maior cagaço de minha vida. PQP, estava sendo pego. Uma senhorinha, da limpeza, aponta o dedão pra mim, ali na frente de várias pessoas. “É este guri, ele vem roubando pilhas há vários dias. Hoje, quando ele entrou no supermercado, eu passei a segui-lo, e ele foi direto pegar mais pilhas”, fala ela. O gerente da loja, um alemão maior do que eu, pede que eu abra a mochila, e limpe os bolsos. Eu o faço, e surgem os pacotes de pilhas. “Chamem a polícia”, pede ele a um garoto, que sai correndo. “Como tu quer fazer? Vai pagar o que tu roubou ou quer ser preso?”. Apavorado, puxo o dinheiro do bolso e pergunto quanto custam as pilhas. “Tu sabe”, diz ele. Dou o dinheiro pro caixa e penso em ir embora. “Não, tu não vai embora”, ordena o gerente. Sim, a famosa salinha escura existe, eu vi, eu fui colocado nela. Ele pede minha identidade, tira um xerox dela, me fotografam, e quando olho para a parede, vejo vários retratos dos “criminosos” flagrados no supermercado. Eu seria mais um. Aparecem dois brigadianos, e eu me vejo nos próximos 20 anos no presídio. Mas eles querem apenas dar um susto. Antes fazem todos os funcionários do supermercado desfilarem na minha frente. “Olhem bem para este rapaz, bem vestido, roubando”, diz o gerente. Olho para ele, e falo: “Puxa, tu nunca praticaste uma roubadinha quando guri?”, pergunto. “Não, eu sempre trabalhei duro para ajudar minha família”, responde ele, me dando um tapa de luva de pelica na cara. Os funcionários continuam passando por mim, alguns fazendo tsc, tsc, tsc...Eu queria morrer. Uma hora depois, sou libertado. E meses depois, lendo um artigo numa revista, descubro. “Em certa fase da adolescência, praticamos alguns atos que achamos ser coisas de pessoas invencíveis. Alguns andam de moto a 100 km por hora, outros pulam de prédios, outros picham nas alturas, outros praticam pequenos furtos (...), mas param no momento em que se machucam seriamente ou são flagrados”. Nunca mais peguei uma bala sequer sem pedir ou pagar. Lição aprendida: o crime não compensa.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Opinião

Sentadinho em minha poltrona no ônibus, esperando começar a viagem de volta a Porto Alegre, 12 horas...e claro, não querendo ninguém do meu lado, afinal, devido ao meu tamanho, necessito de todo o espaço possível. E eis que aparece uma morenaça, e ela vem vindo. Aí penso, “senta do meu lado, senta do meu lado”, mas aí penso no aperto, “não senta aqui, não senta aqui”. E ela senta do meu lado, e a viagem começa. Estou lendo meu livrinho, e ela pega o celular e começa a falar com a mãe, depois o filho. “Mamãe te ama, mamãe tá indo pra casa”, diz ela. Em seguida, faz uma ligação, e começa a conversar com uma amiga. Duas horas depois, ela continua falando, sem parar. “Cinco anos, cinco anos eu perdi com ele”, lamenta a morena. E a ligação cai. Finalmente um pouco de silêncio. Não satisfeita, ela começa a mandar mensagens de sms. E a resposta vem rápida. “Vou me incomodar com este cara”, bufa ela. Manda outra mensagem. Vem a resposta. “Não acredito, por que ele faz isto?”, diz ela, batendo no meu braço. Eu olho pra ela, e a guria lamenta sobre o cara problemático. Aí sinto o perigo, ela quer desabafar e ouvir minha opinião. “O que eu faço?”. Eu só penso, “não vou me meter, não vou opinar, não sei de nada”, fugindo aos meus instintos de dar palpite em tudo. Rapidamente, pego meu ipod, me faço de sonso, ligo o som bem alto, e enfio ainda mais a cara no livro. Ela desce em Sombrio. Ufa.

A cabeleira

Quando eu tinha uns 8, 9 anos, usava uma cabeleira black-power, aquela eternizada pelo Michael Jackson e os Jackson Five. E era cabelo, que quem tem cabeleira sabe os cuidados necessários. Cremezinho, xampuzinho, entre outras frescuras. E não é que numa sexta-feira a mãe chega com um creme, diziam, era especial, deixaria mais macia e brilhosa minha cabeleira. Aplicado o produto, fui dormir, pois sábado pela manhã tinha prova no colégio, de português. Pois acordo às 6h30min e vou ao banheiro tomar banho, quando tomo um susto. Mas foi um susto, pois o meu cabelo, preto, havia amanhecido vermelho. Resultado do produto mágico de minha mãe. Passo água, desesperado, tentando tirar a cor, mas evidente que não iria sair assim. Chamo a mãe, peço para ela fazer algo, mas não há o que fazer. Bem, então nada de ir ao colégio, digo. “Nananã, você vai”, decreta a dona Flora, “ainda mais que tem prova”. Choro, esperneio e perco. Mas como chegar na aula com aquele cabelo rubro? Uma touquinha. Mas ao entrar na aula, atrasado, a professora Conceição me manda tirar o adereço. Me recuso, mas ela repete, “Francisco, tira a touca, já”. Não tem jeito. Puxo a touca, e o cabelão se solta, revelando ao mundo a cabeleira do Bozo, para delírio da criançada, que se mija de rir. Um colega, o Roberto, aponta pra mim. “Ele tá usando peruca, quá, quá, quá”. Eu queria que um buraco se abrisse e eu pudesse sumir nele. Sento, faço a prova, e sentindo que todos os olhares se dirigiam para mim. Nunca a espera pelo recreio demorou tanto, e quando chega, duas horas depois, pego minha pasta, e me mando pra casa, cheio de vergonha. Na primeira hora da tarde, vou até a casa da dona Ana, que era cabelereira, e mando raspar tudo. Na segunda-feira volto ao colégio careca, mas aí é outra história.

domingo, 21 de abril de 2013

O enfermeiro

O Rubens tem fama de galã, tanto com as meninas quanto com as senhoras já chegando na terceira idade. E diz a lenda que não costuma perdoar ninguém. Pois bem, ele tinha um problema de sudorese, ou seja, suava sem parar, principalmente pelas mãos, e aquilo afetava muito sua confiança. O rapaz decidiu então fazer uma cirurgia corretiva, e nela é feita uma incisão embaixo das axilas. Lá foi ele pro hospital, onde permaneceu por dois dias após a cirurgia. E ele não conseguia mexer os braços, por causa dos pontos e da cicatrização. A mãe dele serviu comidinha na boca, deu bainho. E no dia da alta, ela foi conversar com o médico, para assinar a papelada, enquanto que o Rubens ficou no quarto para se arrumar, quando deu-se conta que não conseguia. Nisso entra o enfermeiro. “Tudo bem aí, lindo?”. O Rubens arregalou os olhos, de medo. “Sim, sim, estou esperando a minha mãe para me ajudar a vestir”, disse. “Não, eu faço isso”, se ofereceu o enfermeiro. “Não, não, a minha mãe...”. O enfermeiro foi direto ao ponto. “Ou eu ou mais ninguém vai te trocar”, disse, fechando a porta. O Rubens quis fugir, mas não conseguiu. O enfermeiro tirou aquele aventalzinho que mal e mal cobria o corpo do Rubens, que ficou ali peladão. Ai colocou peça por peça, cueca, camiseta, calça, meias, tênis, enquanto que o Rubens ficou ali, orientando o enfermeiro, que terminou sua tarefa, e foi embora, rebolando, feliz da vida. Aí chegou a mãe do Rubens. “Ué, vestido, mas como?”...sem explicar, ainda, como conseguiu urinar e guardar o troço....

sábado, 20 de abril de 2013

A promessa

O Tiaguinho, filho do Gilson, é uma figura. Para o bem e o mal. O guri de 8 anos está jogando videogame com a Paula, filha do Lauro. De repente, a Paulinha dá um grito: “Paeeeee, o Titi cuspiu em mim!”. Brabo por ter sido derrotado por uma guriazinha, o Tiago não teve dúvidas, meteu uma cusparada na cara da guria, e não saiu impune, pois sua mãe, a Tati, lhe deu uma bronca. Chorando, o Titi promete que não vai mais repetir o ato. “Mãeeee, eu não vou mais fazer isso, juro, juro”. Testemunhando os acontecimentos, ocorridos num churrasco na casa do Gilson, começo a rir. “Ih, parece o pai”, recordo. É que há uns tempos atrás, o Gilson andou aprontando algumas, e foi flagrado pela esposa. Sem ter como negar, ele só repetia: “Tati, eu não vou mais fazer isso, te prometo”, para meses depois, repetir as cagadas. A Tati me fuzila com os olhos. Meia-hora depois, o Tiago volta do castigo e vai jogar de novo com a Paulinha. Dois minutos depois, cospe de novo na cara da guria, que dá um berro. Eu só olho para a Tati, e me mijo de rir. “Me desculpa”, digo pra ela, “mas tal pai, tal filho”. O que resta à ela? Rir também.

Troca letra

Eu tinha uns 8 anos de idade e comecei a andar com dois irmãos que pronunciavam erradas algumas palavras. A minha mãe notou que comecei a trocar algumas letras, e às vezes falava um travesseiro, bicicreta. “Chiquinho, para de andar com aqueles guris, eles não sabem falar e tu vai desaprender”, alertou a dona Flora. Claro que como não entrei de castigo, não dei bola, e continuei a amizade com os irmãos. E não é que numa aula de português, a professora me manda ler o trecho de um livro. E eu tasco lá: “então o garotinho pegou a bicicreta e...”. Não consegui terminar a frase, de tão zoado que fui pela turma. Sabe aquela coisa que a gente vê em filme, quando focam a cara do personagem principal, com os olhos arregalados, e todos apontando o dedo e rindo da cara do infeliz? É como lembro da cena. E sim, nunca mais andei com os dois irmãos.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Eu não podia adivinhar

Coisas que com o tempo aprendemos a fazer: não perguntar como está o cônjuge de alguém conhecido. Lá vou eu na Rua da Praia me dirigindo pro Correio do Povo, quando encontro o marido da Soninha, uma amiga de infância. E o cara é meu xará. Nos cumprimentamos e eu, que estou sempre rindo, pergunto da mulher dele. “E aí xará, e a Soninha, hein?”. O Chico me fuzila com os olhos, e não poupa ofensas. “Tu é um filho da puta, mau caráter, filho da puta, filho da puta!”, berra o carinha, saindo furioso pela Rua da Praia, e eu sem entender nada. O que será que fiz? Só vou entender dias depois quando encontro outro amigo em comum, o Gilson. Conto a história, e ele me esclarece. “Cara, ele foi expulso de casa pela Sônia, ficou só com a roupa do corpo, e acho que ele pensa que tu sabia da história e estava tirando sarro dele, ainda mais que tu tá sempre rindo”, explica o Gilson. Aí cai a ficha. O meu xará achou que eu estava zoando dele. Mas como eu iria adivinhar? Então é o seguinte, não se pergunta como está a mulher de alguém, o marido de alguém, como está aquele parente que encontrava-se doente...

O pedinte

Eu tinha um amigo que não podia ver comida que atacava. O guri almoçava na casa dele, depois se dirigia para a casa dos amigos, sempre na hora em que sabia iria encontrar as pessoas comendo. Era um esfomeado o Marco Antônio. Pois um dia fomos jogar futsal no Colégio das Dores, e depois da partida, corremos para o Bob’s, ali na Rua da Praia, época em que ainda não havia o McDonald’s. Pedimos o “big mac” do Bob’s, refri, batata frita, e enquanto analisamos a partida, vamos devorando aquela delícia de comida – que hoje eu acho horrível. Na mesa ao lado, um carinha de terno e gravata, e lendo um jornal. Ele não comeu todo o lanche, e os restos estavam ali, na mesa. O Marco Antônio se inclina em direção ao carinha, e pergunta, na maior inocência: “Moço, o senhor vai comer o resto?”. Então pressentimos a nojeira que viria a seguir. “Não”, responde o engravatado. "Posso pegar para mim?”. O cara não diz nem sim, nem não, pois como a gente, e éramos uns seis à mesa, não acreditamos no que está acontecendo. Antes que saia uma resposta, o Marco Antônio pega o resto do sanduíche, do refri, e devora, feliz da vida...Por muito tempo, deixamos o mendigo fora de nossas incursões futebolísticas e gastronômicas....

No escurinho do cinema

Assistir Caligula no Lido foi uma experiência incrível, mas não era um pornô total. A gurizada queria porque queria ver um filme sem história. E num sábado à noite, um bando de 10 adolescentes se dirigiu para o famoso e famigerado cinema Carlos Gomes, lá na Vigário José Inácio, numa das piores e má afamadas regiões do Centro. Ao chegar no caixa, tem uma senhora que parece ter saído de um filme de Fellini, gorda, fumando, atendendo. Ela olha aqueles pirralhos, caras limpas, e tremendo. “Sim?”. “Quanto é o ingresso?”. Nem recordo o valor e muito menos a moeda da época, anos 1980, deveria ser cruzeiro. “Tem algum menor no grupo?”. Todos éramos menores, um tinha só 12 anos. Mentimos. “Não”. Ela nos vende o ingresso, e entramos numa sala fétida, quente. Sentamos quase lá na frente, achando a maior graça naquela aventura. As luzes se apagam e começa o filme. Sem história, que era o que desejávamos ver. De repente, um dos guris berra um “filho da puta”, e quando olhamos pro lado, um tiozinho tinha sentado do lado dele, e havia colocado a mão na perna de meu amigo, que pulou, berrou e saiu. Fomos atrás, e deu para ver, já acostumados com a escuridão, umas caras de tiozinhos que não gostaríamos de cruzar à noite na Redenção ou em qualquer lugar. Logo depois, alguém comprou um vídeo-cassete e resolveu o problema de se ver filme pornô em casa...

Ver um pornô

Nos anos 1980 ver um pornô não era como hoje, ao alcance de um clique no computador. Então a gurizada ficava imaginando como seriam aqueles filmes de mulheres sedentas por sexo. Havia um grupo de guris, imberbes, que se reuniam para almoçar uma vez por semana em algum restaurante “coma tudo o que conseguir por apenas tantos pilas” ali pelo Centro de Porto Alegre. Um dia, levei o pai. E estamos lá, disputando quem come mais vezes, quando um dos guris comenta ter sido barrado num cinema pornô. Me apavoro, pois o pai era todo religioso, ministro da Igreja Católica. Ele olha pro meu amigo, e pergunta: “Tá aí gurizada, acabem de comer, e vamos ao cinema ver um pornô”. Ninguém acreditou na promessa. Mas ela foi concretizada. Saimos às pressas do restaurante e nos dirigimos ao Cinema Lido, ali quase no final do viaduto da Borges de Medeiros. E com a presença de um adulto, conseguimos entrar, nem pediram identidade. O filme: Caligula, de Tinto Brass. Ora, um semi-pornô, mas já saciou a curiosidade de piás que só tinham tido acesso a revistinhas do Zéfiro ou suecas. Eu pergunto: e hoje, o que aconteceria se um adulto leva um bando de adolescentes prum cinema pornô, sem maldade, só para a gurizada saciar a curiosidade? Pedofilia seria pouco.

Atropelado

Alguém aí já foi atropelado? Com seis anos de idade, estava na casa de minha vó paterna, sentado no muro, quando vejo o meu tio Raul do outro lado da rua. Ele costumava sempre trazer um doce, um refri para mim. Ao invés de esperá-lo atravessar a movimentada rua, ansioso, decidi ir ao seu encontro. Erro crasso. Ao colocar o pé na rua, um caminhão me pega. A sorte que o veículo vinha devagar, e o impacto me fez voltar, voando, em direção ao cordão da calçada, onde bati a cabeça. Apaguei. Acordo horas depois no HPS, com um braço quebrado e aquela altura, já todo engessado, e a cabeça enfaixada. Ao ver na minha frente meu tio, minha vó e meus pais, desmaio de novo, acordando somente em casa. Fui colocado no sofá e na tevê, preto e branco, passava Jeanne é um gênio. Pô, parece que foi ontem.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

O fanático

Nunca me dei bem com fanáticos religiosos. Aliás, com qualquer tipo de fanático. Há alguns anos, na comemoração de um Ano Novo, dividindo o teto e os lençóis, ou seja, morando junto com uma namorada, apaixonadíssimo, comprei presentes para todos os familiares meus e dela. Bem, chego num tio de que gostava muito, um dos preferidos entre os nove irmãos de minha mãe, e entrego o presente dele. “Não quero”, diz ele. “Mas tio, pega, não me custou nada”, preocupado com o fato de repente ele estar achando eu ter gastado muito, já que naquele momento tinha outras prioridades. Ledo engano. “Pega tuas coisas e sai daqui”, fala meu tio. Continuo sem entender e pergunto o que houve. “Eu não aceito o modo pecaminoso com que você vive com esta menina”, revela ele. Minha reação é ficar olhando, pasmo para ele, que se converteu evangélico após durante anos beber, fumar, cheirar, trair a esposa, abandonar os filhos. Minha resposta: “Vai tomar no teu cu”, digo, perdendo a compostura, me virando e desde então, nunca mais ter trocado um bom dia com aquele hipócrita.

O inferno

Uma tia minha, religiosa ao extremo, me liga num daqueles dias que nada está dando certo. Solidão, falta de grana, entre outras coisas. “Francisco, é a tia”, com aquela voz inconfundível de senhoras negras, idosas e gordas. “Ah, não estou bem”. “É porque tu não quer aceitar Jesus no teu coração”, constata ela. “Pô, não começa”, protesto. “Deste jeito tu vai morrer se esvaindo em sangue”, apela minha tia. Indignado, desligo o telefone. Ela volta a me ligar um minuto depois. “Menino, o teu destino será o inferno”, roga a tia. Querendo terminar o assunto, me volta um pouco de humor. “Ah, o inferno é melhor, tem rock’n’roll, festas, bebidas...no céu aqueles anjinhos tocando harpa, uma chatice...”, brinco. Foi a vez de ela desligar o telefone, e nunca mais me ligar.

domingo, 14 de abril de 2013

Eles gostam de uma morena

Outro dia o meu amigo Dario Di Martino lembrou do livro “Holocausto, Judeu ou Alemão”, do gaúcho S. E. Castan. Um livro que negava o que ocorreu com os judeus na II Guerra e vitimizava os alemães. Foi uma polêmica tremenda no começo dos anos 1990 e o livro acabou proibido. Bem, na época ele era vendido na editora Revisão, e o nome diz tudo, né! Sim, era neonazista. E numa Feira do Livro, eles colocaram uma banca na Alfândega. Deu uma confusão dos diabos. O cara que atendia era um loiro mal-humorado. E o que acontece? Um dia, eu leitor de tudo o que se refere ao período nazista, decido comprar o livro – que é uma verdadeira patuscada. Me dirijo à banca e quem encontro lá dentro? Uma amiga minha, mulata, ao lado do loiro. “Ué, o que tu faz aqui?”, pergunto pra ela, surpreso. “Oi Chico, vim aqui ficar com o meu namorado. Ele!”. Tóing. O cara nem me viu, né. “Ah, entendi, judeus e negões devem passar longe, mas eles adoram uma morenaça, são bem espertinhos”, digo, naqueles meus impulsos de fazer piadinha com tudo o que me cerca. Minha amiga faz beiço, eu compro o livro, este mesmo da foto, e meu dinheiro valeu pra ele, e saio dali. Cada um, cada um.

Café com leite

Lá na década de 1990, eu estava trabalhando na Band AM, e como produtor, fui cobrir um evento na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Aguardava na frente do prédio, esperando a guria que iria fazer a reportagem. Ao meu lado o operador, R. E a uns cinco metros da gente aparece um casal, ele negro e a ela branca, abraçados e começam a se beijar. O operador R me dá um tapa no ombro e fala: “Mas olha só aquilo, que pouca vergonha”. “Eles estão apenas se beijando”, constato. “Ela tá beijando um negro, mas se fosse a minha filha, eu enchia de porrada. Não se dá o respeito”, ameaça. “Tu não notou nada?”, pergunto pra ele, que tá fazendo uma declaração racista prum negro. “O quê?” “Cara, tu tá me ofendendo, eu sou negro, né”. “Ah, não, Chicão, tu é apenas café com leite”, diz ele, saindo pra fumar um cigarro. Quero ver se eu decidisse sair com a filha dele...

O carteiro

Venho pela Rua da Praia, me encaminhando para o Correio do Povo, quando ouço alguém me chamar. “Izidro, ô Izidro”. Paro e fico tentando imaginar quem será aquela pessoa. Ah, um antigo colega do Paula Soares, mas não recordo o nome. “Tu é o Izidro, né?”. “Sim, sim”. “E aí cara, o que tem feito da vida”, pergunta. “Trabalho no Correio”. “Puxa, cara, que pena, tu estudava tanto, era tri CDF, e virou carteiro, puxa, só lamento...”, lamenta, me dando um tapinha no ombro e seguindo caminho, como se eu fosse um pária.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Parem as máquinas

O sonho de todo jornalista antigamente era berrar “Parem as máquinas”. Eu fiz isso em novembro de 2004. Estava no plantão, 3h da madrugada, sozinho na redação, assistindo tevê, quando entra o plantão da Globo...”acaba de morrer em Paris o líder palestino Yasser Arafat”...dou um pulo da cadeira, e corro para avisar o diretor de redação Telmo Flor e o editor-chefe Eugênio Bortolon, que estavam na diagramação, fechando a capa com o resultado de um jogo, gritando: “parem as máquinas”. Elas realmente param e eu tenho o privilégio de escrever a matéria de capa sobre o Arafat. Hoje periga eu dizer isso, e alguém dizer para esquecer, completando que a gente publica a notícia dois dias depois...

Beto

Sábado à tarde, passo no Zaffari da Riachuelo, e faço minhas comprinhas básicas para passar a noite enfurnado em casa, claro, pizza, uma garrafa de vinho. Ao sair do súper, escutando um heavy metal no ipod, vejo se aproximar uma linda guria, olhos azuis, cabelos pretos longos, uma boca carnuda, vermelha. Ela vem em minha direção abrindo um baita sorriso, para e fala comigo. Por causa dos fones de ouvido, não escuto o que ela disse. Aí tiro os fones. “Oi, sim?”. “Tu não é o Beto?”. “Não, sou o Chico”, respondo, colocando os fones de novo. Ela permanece parada, solta um lamento, algo como um “ah”, e continua me olhando, como se esperasse uma reação minha. Distraído, retomo minha caminhada, vejo meu lotação, entro nele, e um segundo depois, cai a ficha: “Imbecil, a resposta não era não, mas sim, não sou o Beto, mas se você quiser, eu viro o Beto”. Por isso que passo às noites de sábado sozinho.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Desistindo dos animais

Quando criança tinha um verdadeiro zoológico em casa. Ser jornalista era o objetivo, e se sobrasse tempo eu faria um segundo turno como biólogo, veterinário ou professor de história. Tinha cachorro, gato, tartaruga, papagaio, coelho, pato, peixe...pois bem, primeiro uma decepção com um gato ladrão e assassino. E aos 14 anos decidi encerrar de vez a adoração por bichos quando estava jogando bola na calçada com meu cachorro e a bola escapa para o meio da rua. O bichinho corre atrás dela, e segundos depois é atropelado e morto por um ônibus. Putaquepariu, foi um choque. Pensei, depois de chorar por dias, que nunca mais iria me apegar a um animal que fosse. E só não me apeguei mais, como não suporto animais perto de mim. Sinceridade.

Não gosto de gatos

Sei que as minhas amigas que têm gato em casa vão entender minha antipatia pelos bichanos. Quando era criança, estudava pela manhã no Paula Soares, e meus pais passavam fora de casa o dia todo. Então a mãe deixava minha comida no forno, num prato, e quando eu chegava para o almoço, sozinho, tinha de comer o rango frio mesmo, pois era perigoso uma criança mexer com fogo. Sento à mesa, tevê ligada num desenho animado, e numa distração de segundos, meu gato, o Mimi, dá um pulo e pega minha almôndega e se manda...um tempo depois, ganho um pato, filhotinho, e batizo de Saturnino, em homenagem a um desenho francês. Tou brincando com ele, e o mesmo gato, abocanha o Saturnino bem na minha frente...chorei muito de raiva, de impotência, e nunca mais gostei dessa espécie.

A primeira vez

A primeira vez que senti o racismo de perto foi muito, muito terrível, aos 12 anos. Havia uma menina que morava no final da minha rua chamada Simone. Linda, linda, me lembrava a Glória Pires naquela novela, Cabocla. Quase todos os finais de tarde eu pegava minha bicicleta e ia até a esquina, e ficava observando ela, brincando com o irmão mais novo em frente à casa. Eu nem sabia como falar com ela, só ficava admirando-a. E um dia, sinto um puxão no banco da minha bike. Olho para trás e tem uma senhora me olhando. Antes que eu possa fugir de pavor, ela berra comigo: “Olha aqui, seu guri de merda, sou a mãe da Simone. E vim te avisar, some, pois minha filha nunca vai namorar um negro. Pode esquecer”, diz ela, que falou mais coisas, que se apagaram com o tempo. Medo, vergonha...me mandei dali e nunca mais fui vê-la e nunca falei para meus pais da agressão verbal que sofri. Anos depois, passei pela guria no centro. E fiquei pensando comigo, tomara que ela tenha se casado com um negão, e tido 3 filhos mulatinhos...

Bob Pai e Bob Filho

Piá, fui a um jogo do Grêmio à noite no Olímpico com meu pai lá no final dos anos 1970. Inverno, chegamos em casa congelados e famintos, e fomos direto pra cozinha. A gente vê sobre o fogão um panelão com um carreteiro ainda fumegante. O pai pega os pratos, os talheres, nos serve e devoramos aquela gostosura. Literalmente lambemos os beiços. Na manhã seguinte, na hora do café – ah, bela época em que as famílias ainda tomavam café juntinhas -, a mãe pergunta pra gente: “Vocês já alimentaram o Toddy (o cachorro foi batizado com o nome de minha bebida preferida à época)?”. “Não”, respondo. “Estranho, então onde foi parar a comida dele? O panelão estava vazio...”. O meu pai me olha, com os olhos arregalados, e o gole de chocolate, sim, criança não tomava café, desce amargo. Sim, o pateta e o patetinha comeram comida de cachorro, quase uma lavagem...recém começavam a fabricar comida industrializada para os bichanos da casa, e os bichos ainda comiam as sobras da família...mas tava bom pra caramba...

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Careca

De 15 em 15 dias passo a máquina 1 na cabeça. Ou seja, mantenho um restinho de cabelo e sumo com os rastros de fradinho. E não é que ontem errei o corte? Como ficou tudo desalinhado, sim, isso é possível, tive de passar a gilete para corrigir a cagada. Aí lembrei do que aconteceu ainda na primeira metade dos anos 1990. Eu iria ao falecido e inesquecível Porto de Elis. E naquele dia, fui ao barbeiro e pedi máquina zero. O velhote ainda perguntou se eu tinha certeza. “Sim, manda ver, não deixa um fio de cabelo”, garanti. Pois de noite, tomando uma ceva no Porto de Elis, duas gurias começam a conversar comigo, e uma me elogia: “Ah, tu é bonitinho, quero ficar contigo”, dispara. Nossa, ganhei a noite, penso. E não é que a outra comenta: “Eca, minha nossa, ele é careca, tu é louca?”. O comentário parece ter trazido luz à primeira, que desiste de me beijar e elas somem na multidão. Meses depois, o Ronaldo Nazário fica famoso, careca, e as mulheres começam a olhar para os desprovidos de cabelo com outros olhos...na foto Gillian Anderson pensa: “o que este idiota fez na cabeça?”

Sogro raivoso

Eu tinha um sogro que não ia com a minha cara, e quem nunca teve isso, né? Pois bem, o velho estava de aniversário e para tentar agradar a figura, comprei um vinho importado, francês, caro pra caramba. No dia da janta, toda a família reunida à mesa, e entrego o presente. Ele abre, todo curioso, o pacote, olha a garrafa de Bordeaux e me pergunta: “que merda é essa?”. Aí chama a filha dele, então minha namorada, e dispara: “Ô fulana, olha a porcaria que teu namorado me trouxe!” A minha cunhada, que estava junto quando eu comprei o vinho, tenta me ajudar: “Pai, isso custou uma grana, eu vi quando ele comprou, vem da França”. Mas não adianta, quando o cara é grosso...”Vinho bosta”, decreta. A minha sogra termina o assunto. “Chico, esquece, da próxima vez compra um Frei Damião, gasta só 3 reais, e assim tu vai conseguir agradar ele”. Bom, nunca agradei, e um sábado, estava na casa da guria, quando a mãe dela chega na sala e diz, sincera: “Meu filho, o fulano vem vindo aí, então não leva a mal, mas acho melhor tu ir embora. Ele não gosta mesmo de ti”. Não dá para agradar todo mundo o tempo todo.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Corredor Polonês

Fui a um evento da Sociedade Polonesa de Porto Alegre no Sindicato dos Bancários, coquetel, depois um filme... fico conversando com a assessora de imprensa do sindicato e com a Adriana Androvandi, quando nos avisam que o filme vai começar...saímos correndo, entramos na sala, já lotada... Eu olho pro lado, aquelas cabeças brancas me olhando, afinal eu destoava no ambiente, um espaço mínimo para passar e chegar lá na frente, onde havia um lugar para sentar na escada. “Vai por este corredor”, alguém me diz. Eu paro, olho para todos e naqueles meus impulsos politicamente incorretos, disparo: “Claro, vocês estão me fazendo atravessar o verdadeiro corredor polonês”. O pessoal foi obrigado a dar risada da constatação óbvia.

DJ nervosinho

Em certo período de minha vida fui DJ, sim, colocava som em festinhas, em aniversários, em clubes, em troca de uns trocados e comida de graça. O irritante, neste serviço, era aguentar os palpiteiros de plantão, pedindo músicas ou que estavam fora do set list ou que tinha determinada hora para ser tocada, afinal uma música fora de hora quebra o embalo da galera. E como sou chamado pelo Ilgo Wink de Chico, o irascível, às vezes, muitas vezes, dei motivo para ser chamado assim ao mandar ver na tolerância zero. Uma vez colocava som num colégio em Viamão, formatura de oitava série, e as gurias começaram a encher a paciência pedindo incessantemente que eu tocasse Menudo. Eu toquei, mas antes fiz todo mundo escutar uma sequência de Black Sabbath, e às velhinhas fizeram uma cara quando começou aquele som de chuva, Run to the Hills e Panama. Quando vi, todo o salão gritava “louco, louco, louco”, enquanto que as velhinhas chamavam a diretora. No final do Van Halen, coloquei a maldita música do Menudo, e nunca mais fui chamado para colocar som naquela escola. Bem, outra vez estava num clube em Gravataí, e depois de fazer a galera pular sem parar ao som do The Cure, Talking Heads, Oingo Boingo, Titãs, Pretenders, entre outros, uns chatos se postaram na minha frente e começaram a pedir aos berros que eu tocasse Thriller, do Michael Jackson. A música até estava na lista, mas não se metam no meu trabalho. Em determinada hora, parei e perguntei aos festeiros: “vocês querem que eu toque Michael Jackson?” “Sim”, respondeu o pessoal do gargarejo. “Tem certeza?”, repeti. “Sim”. Aí eu peguei o disco do MJ e arremessei lá no meio do salão, para espanto do pessoal. E claro, fui vaiado, e perdi mais uma boquinha.

Os carros que parem

Passear com a mãe pelo Centro de Porto Alegre é sempre uma aventura. Como ela está com 74 anos, acha que os carros devem prestar continência à ela. Ou seja, a dona Flora não respeita sinal verde, vai atravessando a rua, e tenho sempre de segurá-la para que não pare embaixo de um carro ou ônibus. Ai ela sempre me olha e resmunga: “Os motoristas é que têm de parar pra mim, sou velha, aposentada, eles têm de me respeitar...”, repete sempre. Dona Flora, não estamos num país civilizado, onde as pessoas respeitam os mais velhos. Se nem cedem o lugar no ônibus, e passam por cima dos ciclistas, por que eles iriam parar pruma senhorinha de cabelos brancos? Infelizmente é assim.

Discriminado por ser politicamente incorreto

Uma história em que não posso dar os nomes, por ser politicamente incorreta. Vá lá, pseudônimos. A Cátia chega pra mim e pergunta se irei à janta na casa da Rejane no sábado à noite. Ops, não sei de nada, pois não fui convidado. “Bah, foi mal, Chico”. Não me abalo, ninguém é obrigado a me convidar pruma janta. Só que não resisto e ligo para a Rejane. “Oi”. “Oi Chico”. “E aí guria, qual a programação de sábado à noite?”, sacaneio. “Ah, não sei. Não estou a fim de fazer nada!”. “Para, vamos dar uma volta na Cidade Baixa”, insisto. “Não sei”, retruca ela. “Não aceito não como resposta, às 7 horas passo na tua casa para te pegar”. “Não, não”, ela se apavora. “Nem quero saber”, digo. “Chico, serei honesta contigo, vai ter uma janta aqui em casa hoje”, revela ela. “Eu sei, tava de sacanagem contigo”. “É que vai vir um amigo meu, que é gay, e tenho medo de que tu faça piadas com ele”. “Ah, não faria isso”, falo. “Faria sim, tu é muito sacana e ele é sensível”. “Claro, ele é gay”, brinco. “Viu, viu...” “Guria, eu faço piada com gay, negão, judeu, anão, o que der na telha, mas a festa é sua. Na realidade, tu não me quer aí por que sou negão”, sacaneio de novo. No sábado, ela me liga e pergunta: “Tu vem?”. “Ué, claro que não”, respondo. “Vem, eu desconvidei meu amigo gay, a gente acha que tu é muito mais divertido e legal”. Como não sou orgulhoso, fui.

O cigarro da Daniela

Nunca gostei de cigarro, mas uma vez caí na tentação. Tinha uns 13 anos, sétima série, e gamei numa colega de 16 anos, que já estava no segundo grau, Daniela. Ela fumava, glamourosamente, pelo menos era o que eu achava, elegante, o cigarro entre os dedos, os olhos azuis, o cabelo preto na altura dos ombros, a calça jeans rasgada. Que faz um guri? Ora, vai lá comprar uma carteira de cigarro para parecer mais velho e tentar chegar na guria. Ela fica olhando o retardado aqui tentando tragar, se engasgar...começa a rir, tenta me ensinar a fumar, mas eu não consigo puxar a fumaça pro pulmão...pelo menos ela conversou comigo durante uma semana. Bem, naquele primeiro dia chego em casa fedendo, a minha mãe está preparando a janta e sente o cheiro. “Que cheiro de cigarro. Tu andou fumando?”, pergunta. Eu me apavoro, nego. “Se te pegar fumando, vai levar uma surra tão grande que não vai andar por uma semana”, e partindo da dona Flora, não ficava apenas na ameaça. Corro pro quarto, abro a mochila e, meu deus, como me desfazer daqueles cigarros? O jeito é levar o lixo pra fora. “O que tu tá fazendo, Chiquinho?”. “Vou levar o lixo pra rua”. “Estranho, tu nunca fez isso, deixa aí que eu levo depois”. “Não, não”, insisto. Levo o lixo, ponho os cigarros na cesta e ao entrar em casa, corro para o chuveiro, e tomo banho de roupa e tudo. O medo da surra me fez nunca mais fumar. Pelo menos o convencional. E a Daniela perdeu-se na poeira do tempo.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Oito de abril é Dia Mundial de Combate ao Câncer

Minha mãe é uma guerreira. Em 2008, eu ainda me tratando da porra de uma depressão, e ela chega e me diz estar com câncer num seio. E a dona Flora descobriu sozinha, ao fazer o teste do toque em casa. Vou com ela ao médico para receber o resultado dos exames. Sentamos e o médico abre o envelope. “Dona Flora, como dizer?”. “Pode falar, doutor, pode falar a palavra”. “Realmente, a senhora tem câncer numa das mamas”. Eu desabo no choro, e ela ali, impávida. O médico diz que tem tratamento, que tudo pode ficar bem. “Temos de retirar os cistos”, determina o médico. “Mas o câncer pode voltar?”, pergunta ela. “Sim, mesmo com a quimio ou a radioterapia, ele pode voltar”. “E se eu tirar totalmente o seio?”. “A chance de cura é quase 100%”, responde o médico. “Doutor, estou com 70 anos, velhinha, as tetas tão caídas, ninguém mais quer olhar e muito menos pegar elas, só o câncer, então vamos tirar tudo de uma vez”, raciocina a dona Flora. Eu e o médico temos de rir da lógica maternal. Hoje tá ela aí, lépida e faceira, sem parar um segundo qualquer. Curadona. Meninas, façam o auto-exame!

domingo, 7 de abril de 2013

Trombadinha

Sábado à noite, vou ao Bar do Beto da Venâncio Aires com a minha amiga Rosane Sant’Ana. Ela estaciona o carro ali na Vieira de Castro, um bréu tremendo. Minutos depois, estamos pedindo uma ceva, e a Rô lembra que esqueceu o celular no carro. “Vou lá buscar, vai que a Júlia (a filha dela) liga?”. Eu digo que vou, está escuro, é perigoso. Como sou uma besta quadrada em relação a carros, pergunto como abro o veículo. Chego ao lado do carro, enfio a chave e nada, empurro, viro, e ela quase quebra. Tento de novo e nada. Desisto. Volto pro bar e a Rô acaba tendo de buscar o telefone. Chega a hora de ir embora, vamos em direção ao carro. A Rô para ao lado de um carro cinza, e eu sigo reto. “Onde tu vai”, pergunta ela. “Ora, pro carro”, digo. “O meu é este”, diz ela. Aí notei a gafe, eu tentei abrir um outro carro, preto, não sei o modelo, mas não era o mesmo da Rô, que ainda por cima tinha outra cor. Imaginem se o alarme do carro preto tivesse disparado? O que um negão de 1,90m iria explicar pra quem visse a cena? Sim, achariam que eu estaria tentando arrombar o carro naquela rua escura...

Nazista Tupiniquim

Aconteceu em dezembro de 2011, uma segunda-feira, no Opinião. Shows das bandas Gama Bomb e Dark Funeral. Na entrada encontro os parceiros de shows Zé Godoy e Jeff Witt, que levou o filho adolescente. Tudo transcorre bem na primeira apresentação, aí entra o black metal Dark Funeral. O Jeff, careca, olhos claros, calça militar camuflada. E de repente um cara vem até ele, levanta o braço direito e grita: “Heil Hitler”, e começa a conversar com o Jeff, chamando ele de colega. O Zé sai dali, vai prum canto e começa a rir de nervoso. Eu fico observando a conversa lunática do nazista, que tem um colega, mulato... o Jeff desconversa, se afasta, e vem nos contar o que ocorreu, os caras, evidentemente acharam que ele era nazi...de repente me olha e não perde a piada, né, para espairecer: “Não fica perto de mim, tu quer que eu apanhe dos meus novos amigos?”. Nos resta rir da situação constrangedora, o Jeff pega o filho e a gente decide ir embora dali ainda na terceira música. Nazista europeu já é de última, então o que sobra pra nazista tupiniquim?

Pagodeira

Lembrei hoje dessa história carregada de preconceito. Há alguns anos, separado e curtindo uma fossa, passei o ano novo na casa de uma amiga, descendente de alemães. Só um negão na festa, eu. E lá pela uma da manhã começa a pagodeira, que todo mundo sabe, detesto. Mas fico na minha, sentadinho num canto, tomando um refrigerante. Aí o pai dela, um alemão de quase dois metros, vem falar comigo: “Aí Chicão, não vai lá na roda mostrar para o pessoal o que a tua raça sabe fazer?” Putaqueopariu...chamo a guria e pergunto onde fica a sala de televisão, para onde me retiro. Da próxima vez, vou levantar e dizer: “É isso aí pessoal, acabou a brincadeira. Isto é um assalto, todo mundo pro banheiro, e me entreguem celulares, bolsas, relógios e carteiras”. Se é pra apatifar...

Pidona

Isso foi no inverno passado. Shopping Paseo, sábado à noite. Encontro a Rosane Sant’Anna e a filha dela, a Júlia, pra comer uma pizza. Aparece um carinha, seus 30 e pouco anos, com uma garotinha, loirinha, olhos verdes. Os dois limpos, roupas simples. E o carinha: “Boa noite, desculpe incomodar, mas a minha filha aqui está com fome, não come há 3 dias”...olhamos pra guriazinha e ela nos olha com aquele olhar do Gato de Botas, pidão...PQP, dá um dó, uma pena, mas sinto no ar cheiro de golpe. Por mais que doa, negamos ajuda. Minutos depois, o primeiro pedaço de pizza desce por demais salgado, o primeiro gole de chopp nada redondo, como diz aquele comercial. Fico com aquela cena na cabeça. Na sexta-feira seguinte, Dream Theater no Pepsi On Stage, lá ao lado do Aeroporto Salgado Filho. Acaba o show e vou encontrar os amigos na frente do ginásio. Alguns comendo cachorro-quente, acompanhado de cerveja ou refri. E quem aparece? O carinha e a guriazinha, com aquele olhar. “Boa noite, desculpe o incômodo, mas minha filha não come faz 3 dias, vocês não podem nos ajudar?”. Claro que ele nem me reconheceu, em outra situação, extremamente oposta. “Pô, cara, tu de novo? Tu estava no Paseo sábado. Pelas minha contas, a tua filha já deveria estar em vias de morrer”...cruel, mas achei necessário. E a guriazinha olhando pro grupo e aquele olhar pidão. Ele pegou a guria pelo braço e se tocou dali. Mas este golpe deve funcionar muito bem, sem dúvida. Daqui a alguns anos, a pirralhinha vai estar comandando algum grupo de batedores de bolsa pelo centro da cidade, infelizmente.

Caipira

Histórias de meu cotidiano. Estou eu na parada esperando o ônibus, o lotação, o que vier primeiro, para ir trabalhar. Para não perder o costume, escutando música no ipod, quando uma senhora me chama. Tiro os fones: “Sim?”, pergunto. “As bainhas de sua calça estão embaixo das meias...”, avisa ela. Olho para baixo e, realmente, parece que eu estou pescando peixinho em água rasa, um matuto que chegou da roça ontem. Agradeço e comento: “A senhora vê a falta que faz uma mulher na vida de um homem. O cara fica relapso e nem nota como sai de casa, todo desarrumado”. Ela responde: “Meu filho, saia de casa no carnaval, se mostre, que você vai achar aquela garota especial”. “Ih, tá brabo, eu e carnaval não combinamos”, digo. “Ah, não desista, vejo algo legal para você nos próximos dias”. Chega o ônibus e ela finaliza: “Desculpe me meter na sua vida, mas você parece ser uma pessoa tão boa, emana algo bom. Torço por você”. Só me resta agradecer e ficar torcendo para que aquela senhora esteja certa. Ah, claro, arrumei as bainhas da calça.

Air Guitar

Estou andando na Rua da Praia, chuva caindo, e vejo um cara tocando guitarra imaginária, e penso, que doido...aí me dou conta que também sou adepto do air guitar e do air drums quando estou escutando meus rocks pesados, enquanto circulo por Porto Alegre. Que bom ser doido!

Assim caminha a humanidade

Exatos sete anos atrás, numa noite de sábado, enquanto esperava minha namorada chegar em casa, e com falta de espaço para todas as minhas críticas de cinema na revista Carta Capilé e no Cena de Cinema, decidi iniciar o blog www.sala-escura.blogspot.com. Desde então, já foram quase mil críticas de cinema, a revista acabou, troquei o site do Renato Martins para, ao lado do Marcos Santuário e da Adriana Androvandi, me dedicar ao site do Correio do Povo, onde nós três mandamos bala no CineCP (http://www.correiodopovo.com.br/blogs/cinecp/). Mas como não só de cinema e futebol vive o homem, e como muitas histórias pululam ao meu redor, resolvi abrir mais este canal de comunicação para compartilhar as loucuras que ocorrem comigo e com quem está ao meu redor. É isso.