sábado, 15 de agosto de 2015

"RÁDIO"

Quando eu tinha uns 10 anos não tinha a menor ideia de que existia rádio FM. Eu via algumas músicas na tevê, mas não sabia como fazer para escutá-las no pequeno rádio que eu tinha, apenas com a faixa AM. Ficava girando o botão atrás daquele rock dos Rolling Stones, da Kate Bush, do Peter Frampton que eu havia escutado trechos na tevê, mas como não encontrava, estacionava ali pela Itaí, Caiçara, que tocavam as músicas ditas bregas, como Odair José, Roberto Carlos, Perla, Antônio Marcos, ou então Gaúcha, para ouvir os jogos do Grêmio. Nas aula de técnicas domésticas, no Paula Soares, a gente ficava cozinhando pães, bolos, doces. E aquele silêncio. Aí num dia um dos colegas: "Professora, a gente poderia ouvir música na aula?". E ela diz que sim. Mas quem levaria o rádio? Ninguém se acusa. Aí levanto a mão e digo que eu levaria o meu rádio pras aulas. A galera vibrou. Aí chega a aula seguinte e lá estou com o meu radinho de pilas. Tiro da pasta e ponho sobre a mesa, e ligo ele, que estava sintonizado na Itaí. Para quê? "Itaí, o sucesso é aqui", diz o locutor, e um dos colegas grita: "Ele escuta rádio de empregada, ele escuta rádio de empregada", caindo na gargalhada, o que é seguido por todo mundo na sala. Eu não sabia onde me enfiar, tentando achar o botão de desligar, e claro que não achava. E depois tentar me explicar para os colegas que o rádio estava sintonizado naquela emissora por engano. Claro que não colou. Aí alguém mais piedoso me mostrou a Continental, que era na AM, mas tocava música pop e de vez em quando alguns rocks. Pelo menos dava para salvar o dia, até o dia que ganhei um rádio FM de presente do meu pai.

TEATRO

Estudava francês na sexta série. E não sei por que cargas d'água a professora decidiu que faríamos uma peça teatral na língua de Balzac para os colegas do Paula Soares, já que ninguém entenderia o que falaríamos. A apresentação seria no auditório da escola, que fica ali na General Auto, ao lado do Palácio. Ficamos ensaiando por uns três meses e eu ganhei um dos papéis principais. Ou seja, tinha várias falas, que decorei entusiasmado. E eis que chegou o dia apresentação. Olho por trás das cortinas e vejo o auditório cheio, murmurinhos, risadas abafadas e os professores pedindo silêncio. Na primeira fila estava uma menina por quem eu tinha uma paixão platônica, o nome dela era Flávia. Era muito séria, nunca a vi dar uma risada. As luzes se apagam e começa a peça. Levaria um tempinho ainda antes de entrar em cena. Seguro o roteiro, dou uma última lida e chega a minha vez de aparecer no palco. Vou declamando o texto, olhando para a minha colega de ato, mas então cometo o erro de olhar para a plateia e encaro a Flávia, que me olha bem nos olhos. E então eu esqueço completamente o texto. Simplesmente não consigo me lembrar uma única palavra. Fico ali, estático no palco, tentando não entrar em pânico. Gaguejo alguma coisa e não consigo tirar os olhos da menina. Então recomeçam os burburinhos, e o silêncio se faz. Para mim parece a eternidade, e consigo escutar uma mosca voando no recinto. E nada de lembrar do texto. Até que meu colega Orlando, de trás do palco, começa a sussurrar para mim os meus diálogos, e vou repetindo o que ele vai ditando - tremo todo, começo a suar, até terminar o tormento. A peça acaba, e ninguém bate palmas diante daquele rotundo fracasso. Silêncio. E alguém puxa palmas tímidas e todo o auditório o segue. E eu fujo do palco, querendo me enfiar no primeiro buraco.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

ARRASTÃO

Nessa onda de assaltos à noite no centro de Porto Alegre, lembrei de um ocorrido há uns dois meses. Era domingo e saio do jornal por volta das nove e meia da noite para pegar o ônibus na Salgado Filho. Rua escura, quase ninguém. E na parada só eu. Então chega um rapazinho de seus 18, 19 anos e para do meu lado. Estou com os fones no ouvindo escutando meus rocks. E de canto do olho noto quando chegam mais seis caras, que encostam na parede. Depois de uns 10 minutos cansado de esperar o ônibus, vejo se aproximar uma lotação. Bem, é nela que decido embarcar. Quando subo, pago e sento, o motorista me chama: "Cara, olha lá!". Tiro os fones e pergunto: "O quê?". "Olha lá, estão assaltando aquele rapaz que estava contigo na parada". Olho para trás e vejo os seis caras que haviam encostado na parede cercando o guri, que estava entregando o relógio, o celular e a carteira para eles, que então saíram em desabalada carreira rua abaixo, entrando na Marechal Floriano. O motorista fala para mim: "Na certa esperaram tu entrar no lotação para roubar o guri". "Mas por quê?". "Cara, olha o teu tamanho, não quiseram pagar para ver a tua reação caso decidissem te roubar também".

quarta-feira, 24 de junho de 2015

"Salário"

Eu era muito ingênuo. Ou será burro mesmo? Em 1993, aceitei o convite para trabalhar na assessoria de imprensa da Câmara de Vereadores de Viamão. O meu chefe era o vereador Glademir de Moura, o Sarico. Eu tinha de escrever uma página por semana das atividades dos vereadores no jornal Correio Rural. E eu ouvia cada bobagem dos edis e seus projetos. Meu salário era cerca de 500 cruzeiros reais. Isso até eu descobrir a mutreta, quase sem querer. Eu recebia o salário em dinheiro, dentro de um envelope. Quem me entregava era a secretária do Sarico. Bem, uma vez fui lá receber a grana, entro na sala e não tem ninguém. Mas sobre a mesa uma lista dos funcionários e os respectivos salários. Pego o papel e começo a ler, e dou de cara com o meu nome. E o salário, de sete mil cruzeiros reais...caí duro. Nisso, a secretária entra na sala e puxa o papel de minha mão. "Você não tem o direito de olhar isso", grita ela. "Tem coisa errada aí, olha o meu salário", digo. "Não tem nada errado", prossegue ela, colocando o papel dentro de uma gaveta e fechando a chave. "Por favor, saia agora", ordena ela. "Não sem antes falar com o vereador", falo. "Ele está ocupado", diz ela. Dali em diante nunca mais consegui falar com o cara, mesmo que tentasse todos os dias. Eu queria esclarecer aquela diferença de seis mil reais e 500 cruzeiros reais, uma enorme grana, no meu salário. O Sarico passou a estar sempre ocupadíssimo. Aguentei aquele absurdo mais uns 20 dias e pedi demissão. Eu havia caído no velho esquema: ele embolsava o meu salário e me dava uma parte mínima. E não houve nem aquele acordo que os CCs fazem, de receber e devolver a grana pro empregador. Eu simplesmente era roubado.

sábado, 13 de junho de 2015

"Pila, pila"

O frio que estava fazendo hoje pela manhã e a caminhada do final da linha do ônibus até o jornal me fez recordar de uma daquelas figuras lendárias do centro de Porto Alegre há algumas décadas atrás. Nos anos 1970 e 1980 havia um mendigo que ficava sentado ali em frente à prefeitura, todo maltrapilho, sujo, a barba e as unhas grandes, com suas sacolas ao redor do corpo. E ele repetia, com a mão direita estendida: "pila, pila", pedindo uns trocados aos passantes. Era o seu ganha-pão, e assim ele passou anos, acabando sendo apelidado do Mendigo Pila. Então numa manhã fria do inverno de 1988, eu caminhava em direção ao trensurb para pegar o trem que me levaria até Esteio e depois fazer a baldeação num ônibus da Central até a Unisinos (à época o trensurb não chegava em São Leopoldo), quando vi várias pessoas paradas no local onde o Pila costumava ficar. E o mendigo estava lá, só que não foi uma visão agradável, pois ele encontrava-se morto. Naquela noite o frio havia sido tão intenso, que o seu corpo não resistiu e sucumbiu ao gelo da madrugada. Foi enterrado como indigente, pois ninguém sabia nome, idade, nada daquele homem, que assim como na vida, teve um triste fim.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

“Carne de porco”

Mais uma do Chile. Eu e a minha namorada da época conseguimos marcar uma viagem para conhecer a Terra do Fogo, e o mais legal, seria feito de trem. Partiríamos numa segunda-feira. No sábado fomos a um shopping almoçar. Eu olhava os restaurantes e nada me agradava. Até encontrarmos um bem simpático. Pedimos o menu. O garçom vem, nos entrega e eu vou lendo. “O que é cerdo?”, pergunto. “Cerdo eres cerdo”, responde ele. “Sim, sim, mas carne do que é cerdo?”, insisto. Então partimos para a linguagem universal. Gestos e som. Imito uma galinha, cachorro. E ele entende. E imita um porco. “Ah, porco, óinc, óinc”, falo. “Sim, sim, chancho”, retruca ele. Tá aí, peço carne de porco, que devoro ferozmente. Na madrugada de domingo minha barriga começa a doer, doer e doer muito. Vou ao banheiro, que para o meu tamanho é minúsculo – os chilenos são baixinhos, então para mim tudo é pequeno. E nada saí. Fico roxo, verde, gemo de dor, me deito em posição fetal. A minha namorada não sabe o que fazer. Pela manhã a situação está insustentável. A guria desce atrás de remédios. Tomo e efeito zero. Lá pela uma da tarde parece que vou morrer. Ela chama o gerente. Que vem correndo e chama uma ambulância. Mas aí lembro de quando fomos na agência em Porto Alegre comprar a viagem. A vendedora perguntou se queríamos fazer seguro-viagem. “Não, o que pode nos acontecer?”, respondi. Bingo. Sem seguro-viagem não poderia ser atendido. Às duas da tarde o hotel entra em contato com a embaixada brasileira, que mantinha um funcionário de plantão aos domingos. Ele se dirige ao hotel, me vê ali, gemendo e verde, vai ao telefone e logo estou sendo encaminhado para um hospital particular, que atendia brasileiros em caso de emergência, e a embaixada bancava o serviço. Onde sofro uma lavagem estomacal e o médico constata que aquilo é culpa da carne de porco que comi na véspera. “Moreno, debes tener cuidado com ló que comes”, avisa o médico. “E fazer seguro-viagem”, completa o funcionário da embaixada, me dando um tapinha nas costas. A viagem acabou sendo suspensa por ordens médicas.

“Golpe”

Brasileiro se acha muito esperto. Pois no Chile, em 1997, caí num golpe absurdo. Era uma sexta-feira e eu e a minha namorada tinham os de trocar uns dólares para poder comprar umas passagens para visitar a Terra do Fogo. E a agência chilena só aceitava o peso chileno, nada de dinheiro estrangeiro. Então eu e a minha namorada fomos procurar uma casa de câmbio. Mas já passavam das quatro da tarde, horário de fechamento delas. Ficamos olhando as portas serem fechadas e a funcionária, do lado de dentro lamentando. Então apareceu um carinha magrinho, de cavanhaque. “Ustedes quiérem cambiar la plata?”. Olhamos para ele, que tinha uma cara de honesto e vimos que ele queria nos ajudar. “Sim”, respondi. “Quanto?”, perguntou. “Cien dólares”, falei. “Eu troco para ustedes”, disse o carinha, em portunhol. A minha namorada abriu a bolsa e deu o dinheiro para ele. “Ustedes esperam acá que yo vuelvo”, garantiu ele, pegando os cem dólares e entrando numa porta lateral. O tempo foi passando, cinco, dez, quinze, vinte minutos e nada do carinha. Então decidimos entrar na mesma porta, pegamos um corredor e de repente descobrimos que aquilo era uma galeria e que havia uma saída do outro lado, há cerca de uns dez metros. Nos olhamos e fizemos cara de otário um para o outro ao descobrirmos ter sido vítimas de um malandro de rua. O cara deve ter pego o dinheiro, se mandou achando nunca ter ganho uma grana tão fácil. E em 1997 cem dólares era grana. A minha guria me olhou e disse: “Não vai contar isso pra ninguém”. Jurei que não.

“Clássico”

Santiago do Chile, em 1997. Estava no quarto de hotel, vendo tevê, quando vejo o anúncio de que no domingo tinha clássico entre Colo-Colo e Universidad Católica no Estádio Nacional, aquele lugar infame onde Pinochet mandava torturar os presos políticos durante o Golpe de 1973. Tinha de ver este jogo e conhecer o estádio. Será que conseguiria ingresso? Consegui a informação de que como o mandante era o Colo-Colo, os ingressos tinham de ser adquiridos na sede do clube, odiado pela elite branca, que o considera o time dos indiozitos. Conseguimos os ingressos, dois por 20 dólares. Pois domingo nos dirigimos para o estádio. Estávamos atravessando uma longa avenida e visualizamos o local. E de repente escutamos cantorias vindo dos dois lados da avenida. E nós bem no meio dela, quando enxergamos as torcidas dos dois times vindo de lados opostos, com bandeiras, pedaços de pau, muitos com o rosto coberto com lenços. E de repente eles partem para a mesma direção e começam a se digladiar. Minha namorada começa a gritar e puxo ela prum canto. Voam pedras, bombas. Então aparece a polícia, muitos montando cavalos e descendo a porrada nos torcedores. Como eles não sossegam, aparecem aqueles tanques jogando jarros de água na turba. A água bate no peito de alguns, que voam longe. Após uma batalha campal de uns 15 minutos, conseguimos ser escoltados para dentro do estádio, junto com outros turistas que tiveram a brilhante ideia de ver aquele derby. Lá dentro ficamos numa das laterais, em bancos que eram feitos de troncos de árvores. As duas torcidas ficam atrás das goleiras, e o campo é cercado de arame, e muitos tentam pular para dentro, e a polícia dá cacetadas nas mãos deles, que caem de dois, três metros, tentam voltar e são novamente rechaçados. Começa o jogo às 17h e logo começa a escurecer. No intervalo decidimos ir embora, pois ficamos pensando o que poderia acontecer ao final da partida, no meio da escuridão.

“Terremoto”

Em 1997 conheci o Chile com uma antiga namorada. Foram quase duas semanas de infinitas aventuras. Para começar, quando chegamos a Santiago recebemos a notícia de que não chovia no local havia seis meses. Pois quando nos dirigíamos ao hotel, caiu o maior aguaceiro. E num outro dia, a gente decidiu dar uma volta pela cidade. Pegamos um mapa, subimos no ônibus e fomos para um velho forte de onde podíamos ver os Andes. E lá estamos neste forte, construído pelos espanhóis por cerca de 1750, como defesa contra os indígenas, e sinto um tremor . “Amor, o chão está tremendo”, digo para a minha namorada. “Ih, tu bebeu. Não tem nada tremendo”, diz ela. “Tá sim, estou sentindo”, repeti, ficando meio tonto. “Ah, deve ser a altura do forte”, fala ela. “Não”, insisto. E a terra treme e a guria não sentia. “Tá bom”, desisto. Pois chegamos no hotel e vem um casal de brasileiros que também estavam hospedados por lá. “Crianças, vocês viram o terremoto?”, pergunta o senhor. “Que terremoto?”, questiona minha teimosa namorada. “Teve um terremoto”, avisa ele. “Tudo tremeu aqui no hotel”, completa. Logo chega o gerente, querendo saber se estamos bem e avisando que o tremor foi de 6,5 graus. Não destruiu nada, só algumas rachaduras em alguns prédios e que estes tremores desta magnitude eram comuns. Olhei para minha namorada, com aquele sorriso de vencedor. “Não te disse?”, encerrei o assunto.

“Basquete”

Em 1988 não escapei da de educação física na faculdade. Como estava desempregado, não consegui atestado para não ter de fazer a cadeira na Unisinos. Eles liberavam se a gente tinha algum problema físico, de saúde ou trabalhava. Apesar de alegar minha miopia, isso não foi suficiente. E pior que nas aulas não havia futebol , mas vôlei e basquete. E eu odiava. E lá estou eu na primeira aula de bola ao cesto. Dois colegas foram escolhidos como capitães e assim poderiam escolher os seus jogadores. O único negro na aula era eu. E um dos capitães aponta o dedo pra mim e diz: “Quero o Michael Jordan ali”. Eu não tinha a mínima noção de quem era o tal Michael Jordan. “É você mesmo”, disse ele, me chamando. Coloquei o dedo indicador no peito e perguntei: “Eu?”. “Sim”. Bem, ser o único negro e meus 1,90 deveriam servir alguma coisa, deve ter pensado o cara. Só que eu era muito ruim. E os caras do meu time só jogavam a bola pra mim, esperando que eu resolvesse. E eu ia perdendo todas, sendo desarmado sem dó. E o pior quando recebia a bola embaixo da cesta. Eu tentava uma, duas, três vezes e a bola nunca caia. Zero pontos. Acabou o jogo e os caras pra mim: “Ah, hoje foi má sorte”. Tá bom. E na aula seguinte novo fracasso. No terceiro jogo já me olhavam de cara virada. E na quarta partida, simplesmente deixei de ser escolhido. Fracasso total, até que quebrei o dedo num acidente caseiro e fui dispensado das aulas. Para minha sorte e a dos basqueteiros, que se viram livres daquele perna ou seria mão de pau?

sábado, 6 de junho de 2015

“Segredo de Estado”

Em 1992 morava em São Paulo e consegui um convite para assistir a gravação do programa do Jô Soares, o “Jô Onze e Meia”, nos estúdios do SBT, na rua Alfonso Bovero. Tinha de estar lá por volta das 16h. O gordinho gravava a partir das 17h programas para três dias. Quando saí da república onde morava, a galera vibrou e disse: “Vê se solta esta tua gargalhada e abafa a do Bira (o baixista da banda que acompanha o Jô e conhecido pela risada forte e alta)”. “Vamos ver”, disse. Depois de esperar alguns minutos, a plateia foi levada aos estúdios. Recebemos as instruções de como nos comportar durante as mais de quatro horas de gravação, e sem lanchinho. Bico seco. Ah, e no final das gravações, poderíamos conversar com o Jô Soares. Eu não queria isso, mas olhava para a xícara dele sobre a mesa. E à época todo o Brasil queria saber o que era que ele bebia durante suas entrevistas. Segredo de estado total. Pensei com meus botões, vou descobrir isso. E começam as entrevistas, eu nem me lembro quais eram os entrevistados do programa. Lá pelas nove da noite, elas acabaram, e liberaram para a galera entrar no palco e conversar com o Jô. Ele veio em direção ao público e eu fui na direção de sua mesa, passei por ele a passos lentos, quando vi na entrada do estúdio uma guria me olhando. E parece que ela adivinhou e começou a correr em direção a mesa. Apressei o passo e fui chegando, chegando, mas ela foi mais rápida e quando estiquei o pescoço para ver qual o líquido secreto na xícara, ela puxou a caneca e soltou: “O que tu quer?”. “Quero saber o que ele bebe”. “Pois não te interessa, e sai, sai”. “Ah, deixa eu ver”, pedi. “Não, cara, sai daqui”, disse ela, tapando a caneca com uma das mãos e eu esticando mais o pescoço. “Tá bom, segredinho de estado”, soltei. “Sim, e se tu não sair fora, chamo os seguranças. Segurança”, gritou ela para uns caras de terno preto que estavam parados atrás do Jô, que distribuía autógrafos. Eles me olharam e fui saindo de mansinho. Anos depois, já na Globo, divulgaram que o tal líquido que ele bebe é coca-cola.

terça-feira, 2 de junho de 2015

“Bono, Bolo”

Está passando na tevê um comercial dos postos Ipiranga, onde um matuto tenta fazer o Cebolinha dizer Ipiranga, e o Cebolinha não consegue, falando “Ipilanga”. Aí me lembrei de uma vez em que estava no aeroporto de Salvador esperando a hora de meu voo. Sei lá, de repente deu vontade de comer umas bolachas recheadas. Levantei da cadeira, fechei o livro que estava lendo e fui procurar as tais bolachas. Lá de longe enxerguei um quiosque com várias guloseimas. “Boa tarde”, disse. A guria que estava no balcão me olhou e perguntou, com aquele sotaque cantado baiano: “Cê não é daqui não, né?”. “Não, sou do Sul. Gaúcho”. “Ah, tá, que cê quer?”. “Eu queria um Bono”, falei, citando as famosas bolachas, que antigamente eram conhecidas como São Luiz Extra. “Bolo?”, retrucou ela. “Não, Bono”, respondi. “Bolo?”. “Não, Bono”. “Bolo?”, insistiu a baiana. Eu achei que ela estava tirando sarro de minha dicção, que não é das melhores. “Não, quero Bono”. “Bolo não tem”. “Não, Bono, Bono”. “Ué, não temos bolo”. PQP. Pensei melhor. “Não, querida, Bono, bolachas recheadas”. “Ah, biscoitos recheados. Como é mesmo? Bolo?”. “Não, Bono, com ene, não é bolo, o que você não está entendendo?”. “Bono não conheço não”, finalmente me disse a guria. “Pensei que tinha em todo o Brasil”, falei para ela. Acabei me contentando com uma barra de chocolate e balas de goma.

terça-feira, 19 de maio de 2015

“Músico”

Sou um músico frustrado. Aliás, nem músico sou, mas amo música e sempre quis saber tocar um instrumento. Pois aos seis anos de idade, tive a chance de receber aulas particulares, todos os sábados, lá pelas 18h. O problema é que meu professor era uma pessoa tri problemática, tanto que em 1982 simplesmente enfiou uma bala na cabeça, depois de um final de semana deprê. Pois bem, lá estou eu, um piá querendo tocar violão. E o meu professor, Antônio Augusto, filho de um desembargador padrinho de minha mãe, decidiu me dar aulas. E sem a mínima didática e paciência. Ele ia me ensinando a maneira de segurar o violão, as notas e eu ali, extasiado, querendo tocar o tema dos documentários do Jacques Costeau, que passava na tevê nos sábados, antes das aulas, na antiga Difusora, hoje Bandeirantes, ou então o tema dos Banana Splits, lá, lá, lá, lá, lá, lá...eu ainda não conhecia o rock’n’roll. E eu errava as notas, ele tirava o violão das minhas mãos, me mostrava como fazer as notas e me devolvia o instrumento e eu errava, errava de novo, de nervoso. Mas persistia. Até que num certo dia, o Antônio Augusto perdeu a paciência depois de eu errar novamente uma nota. E o que ele fez? Arrancou o violão de minhas mãos e o jogou na minha cabeça. Coloquei as mãos como defesa e o instrumento caiu no chão, se arrebentando. “Guri burro, guri burro. É tão simples”, berrou o professor, e o meu choro tomou conta da sala. Nunca mais voltei a tentar aprender a tocar qualquer coisa.

“Escada Rolante”

Vocês vão pensar que é sacanagem, mania de perseguição, mas realmente aconteceu com uma senhora. Foi lá por 2003, 2004, lá no Bourbon Country. Eu saí do cinema por volta das 20h e pensando em pegar o ônibus e retornar para casa de uma vez. Pois chego na escada rolante e vou descendo e na minha frente uma senhorinha de seus 70 anos. Como a escada tem espaço para mais de uma pessoa de uma só vez, passo por ela. E de repente escuto: “Você não tem educação. Socorro, socorro”, berra ela. Olho para trás e a vejo apontando o dedo para mim. “Você não pode passar por mim. Não pode, não pode”, repete ela. “É comigo?”, pergunto. “Tu é muito cara de pau, rapaz”, me diz ela. “Mas o que eu fiz?”, questiono. “Eu estava na frente e tu não pode passar por mim”, diz a senhorinha, já chamando o segurança, que corre em minha direção e vai pegando o meu braço. “Este rapaz passou por mim na escada rolante”, denuncia ela. “Mas tem espaço suficiente para umas três pessoas passarem ali”, digo. “Tu não pode passar por mim”, berra a velha. “Por favor, dá para me soltar”, peço ao segurança, que não sabe o que fazer. Ele acaba soltando meu braço e eu explico que ia descendo a escada rolante e só tinha essa senhora na minha frente e dava tranquilamente para passar. Não fiz nenhuma contravenção. Porém ela se sentiu ofendida e armou um miniescândalo. “Tu é muito mal-educado”, diz a velha. Eu vou me afastando e ela não se dá por satisfeita, agora gritando com o segurança. “Faça alguma coisa”, pede ela. “Mas minha senhora, ele não fez nada errado”, fala o guardinha. Me mando dali.

“Afogado”

Em 2013 passei as férias no litoral paranaense. Um belo hotel e uma piscina só pra mim durante a semana. Era abril e não tinham outros hóspedes durante a semana. Só eu. Mas no final de semana o local ficava lotado. Tanto que um dia cheguei para tomar café e não havia cacetinhos. A senhora do restaurante disse que como só eu estava por lá, eles não haviam providenciado o “pãozinho francês”, mas poderia pedir pro boy buscar na padaria mais próxima. Só que havia pão feito em casa. Então tudo bem. Pois num final de tarde decido entrar na piscina, por volta das 17h30min. Ninguém mais por perto. Só eu. Ponho os pés na água, gelada. Aí vou entrando aos poucos, até o corpo se acostumar com a temperatura. Então com o corpo bem ambientado, dou umas braçadas e vou da parte rasa para a parte mais funda, cerca de três metros de profundidade. É quando ocorre o problema. Sinto câimbras e vou afundando. Tento voltar, mas não consigo. Vou sendo puxado para baixo. E é quando penso: “então é assim? Vou morrer afogado e mais tarde, quando um funcionário vir limpar a piscina, vai dar de cara com meu corpo boiando na água...”. Bato os braços e nada, nada, nada. Me fudi. Então penso: “ Nada de desespero. Respire fundo e tente chegar na beira da piscina”. Começo a me mexer, bater os braços e enfim, depois de engolir um bocado de água, consigo chegar na beirada da piscina, onde me seguro na borda, ofegante, apavorado, mas vivo. Que cagaço.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

“Assalto”

Lá por 2009, 2010, todos os sábados eu ia ao cinema no GNC Moinhos na sessão das 19h, 20h. Na volta, por volta das 23h, 23h30min, sempre pegava o T3 ali no Parcão, e quando chegava na parada da Icaraí quase esquina Campos Velho eu descia do ônibus. E várias vezes eu vi o veículo, vazio, entrar na Campos Velho ao invés de ir para o final da linha, no BarraShopping. Então num sábado, o T3 está na Icaraí, e apenas eu, a cobradora e o motorista lá dentro. Pô, então eu penso, bem que poderia pedir para ficar no ônibus e descer em frente ao prédio onde moro, e não precisar caminhar quatro quadras se ele entrasse na Campos Velho, onde moro. Como estou lá atrás, nos últimos bancos, me levanto e vou em direção a cobradora. “Moça”, chamo. No mesmo momento ela dá um berro: “Não, não, por favor, hoje não, não nos assalte”. Eu paro no meio do corredor, assustado. “O que foi, o que foi?”, olhando para trás, talvez houvesse mais alguém no ônibus, um ladrão, mas não, apenas eu de passageiro. Ela está de braços levantados e o motorista vai freando o ônibus. Aí entendi. Ela viu aquele negão levantando e indo em sua direção e pensou em assalto. “Não, não, só iria perguntar para vocês se o ônibus vai entrar na Campos Velho e se eu poderia ficar nele até descer em frente ao meu prédio...”, digo. “Menino, que susto”, diz a cobradora. “Pô, tu vê um negão e já pensa em assalto”, falo. “Não, não foi isso. É que nesta semana um cara ficou sozinho no ônibus, levantou, veio até aqui e colocou uma arma na minha cara. E era loiro”, conta a cobradora, aliviada e já dando risada. O motorista também entra no papo e poucos minutos depois me deixam bem em frente ao meu prédio, são e salvo.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

“Calote”

Recém-formado e desempregado, o jeito era à época, idos de 1991, pegar os classificados dominicais e procurar ofertas de emprego. Na segunda-feira ir ao correio e enviar o currículo, quase nulo, já que a experiência praticamente era zero, para as empresas que colocavam seus anúncios, procurando jornalistas. Até que um dia apareceu uma resposta de uma revista que estava sendo lançada no sul do país. Vibrei e fui na entrevista, cuja vaga era para repórter da “Revista do Nativismo”. Eu, roqueiro e sem nenhum gosto pelo assunto, aceitei por desespero. Tinha de passar os dias visitando CTG’s, conversando e entrevistando patrões, prendas. Em suma, um saco. A revista tinha sede perto da UFRGS, na rua Avaí. Passou um mês e nada de salário, dois meses e nada de salário, três meses e nada, nada, nenhum centavo, mas os donos da revista dizendo que logo os anunciantes fariam os pagamentos e eu receberia meu dindim, acumulado. E dê-lhe passar os finais de semana escutando as pessoas dizendo que rock era coisa de débil mental, que mulher deveria ficar na cozinha e que não deveria usar calça comprida, entre outras bobagens. Pois começou o quarto mês, saio de casa e me dirijo para a redação. Na entrada, o zelador do prédio me vê, e pergunta: “Guri, onde tu vai?”. “Ué, na revista”. Aí escuto o absurdo: “Rapaz, os donos vieram ontem aqui, e esvaziaram tudo. Não ficou nada”. “Mas como?”. “Ora, eles fecharam a revista”. Putaqueopariu, penso, me sentindo o maior trouxa. Na época não existiam celulares e os telefones que tenho não são atendidos. Então descubro que um dos donos também trabalhava na rádio Liberdade, que ficava na Protásio Alves. Me mandei para lá, tomei um chá de cadeira, até achar o pilantra. Ele me viu, arregalou os olhos e tentou sair por outra porta. Fui atrás. “Cara, minha grana”, berrei. Ele teve de parar e me encarar, já pedindo desculpas. “Puxa, não conseguimos os anunciantes necessários”, foi dizendo. “Não me interessa, trabalhei três meses e quero minha grana, inclusive as passagens que gastei”, falei, nem acreditando ter tido coragem. O cara me pediu uns dias para levantar o dinheiro e me pagar. Acreditei e levei mais três meses para receber. Toda a semana era a mesma desculpa, até que ele me passou três cheques pré-datados, que claro estavam sem fundos. O jeito era ligar para o trabalho e até para a casa dele, e falar com a mulher dele, que no mínimo se encheu das minhas ligações a qualquer hora do dia, feitas de orelhão, e deve ter pedido para ele pagar aquele cara chato que não parava de ligar. Dez anos depois, tomei outro tufo em um frila, mas esta história fica para outro dia.

terça-feira, 28 de abril de 2015

“No Escurinho do Cinema”

Ninguém tem paciência comigo, parafraseando o Chaves. Véspera de feriado de Tiradentes e decido ir ao cinema, lá no Espaço Itaú, no Bourbon Country. Chego e a fila para comprar os ingressos é enorme, uma piazada berrando e correndo. Torço para que não seja na sessão que pretendo ver, mas não, pois iria assistir a comédia-romântica “Um Fim de Semana em Paris”, e a criançada estava lá para ver “Cada Um Na Sua Casa”. Pego o meu ingresso e como ainda tem uns 30 minutos para começar o filme, vou dar uma volta na Livraria Cultura. Erro, pois acabo encontrando amigos e conhecidos e papo vai, papo vem, acabo me atrasando para entrar na sala 8. E quando o faço. o cinema está lotado. Como os lugares são marcados, vou na minha fila e ao chegar na minha poltrona, tem uma senhora sentada nela. A do lado está vazia. Bem, não vou brigar por um lugar. Aí peço com licença e ao passar pela senhorinha, acabo pisando no pé dela, já que o espaço para caminhar é mínimo. Levanto as mãos e peço desculpas, mas não adianta. Ela começa a berrar, me xingar: “Seu idiota, pisou no meu pé, imbecil, tu não enxerga”. “Minha senhora, me desculpe, foi sem querer”, digo. “Idiota, idiota, você fez por gosto”, berra a mulher dentro da sala. Eu quero que um buraco abra e eu possa entrar nele. E ela berrando. Eu sento na poltrona livre, ao lado dela. E a mulher me olha com uma raiva inacreditável e diz: “Do teu lado eu não fico, imbecil”, grita e levantando, trocando de lugar com um senhor que estava em outra poltrona. Deu, ali a sessão de cinema foi pro espaço pra mim. Passei as quase duas horas, encolhido, não achando graça de nada, por causa de uma atitude destemperada de uma pessoa, que além de tudo, estava sentada em meu lugar. Não sei o quanto teve de intolerância, racismo e outras coisas mais ali.