sábado, 15 de agosto de 2015

"RÁDIO"

Quando eu tinha uns 10 anos não tinha a menor ideia de que existia rádio FM. Eu via algumas músicas na tevê, mas não sabia como fazer para escutá-las no pequeno rádio que eu tinha, apenas com a faixa AM. Ficava girando o botão atrás daquele rock dos Rolling Stones, da Kate Bush, do Peter Frampton que eu havia escutado trechos na tevê, mas como não encontrava, estacionava ali pela Itaí, Caiçara, que tocavam as músicas ditas bregas, como Odair José, Roberto Carlos, Perla, Antônio Marcos, ou então Gaúcha, para ouvir os jogos do Grêmio. Nas aula de técnicas domésticas, no Paula Soares, a gente ficava cozinhando pães, bolos, doces. E aquele silêncio. Aí num dia um dos colegas: "Professora, a gente poderia ouvir música na aula?". E ela diz que sim. Mas quem levaria o rádio? Ninguém se acusa. Aí levanto a mão e digo que eu levaria o meu rádio pras aulas. A galera vibrou. Aí chega a aula seguinte e lá estou com o meu radinho de pilas. Tiro da pasta e ponho sobre a mesa, e ligo ele, que estava sintonizado na Itaí. Para quê? "Itaí, o sucesso é aqui", diz o locutor, e um dos colegas grita: "Ele escuta rádio de empregada, ele escuta rádio de empregada", caindo na gargalhada, o que é seguido por todo mundo na sala. Eu não sabia onde me enfiar, tentando achar o botão de desligar, e claro que não achava. E depois tentar me explicar para os colegas que o rádio estava sintonizado naquela emissora por engano. Claro que não colou. Aí alguém mais piedoso me mostrou a Continental, que era na AM, mas tocava música pop e de vez em quando alguns rocks. Pelo menos dava para salvar o dia, até o dia que ganhei um rádio FM de presente do meu pai.

TEATRO

Estudava francês na sexta série. E não sei por que cargas d'água a professora decidiu que faríamos uma peça teatral na língua de Balzac para os colegas do Paula Soares, já que ninguém entenderia o que falaríamos. A apresentação seria no auditório da escola, que fica ali na General Auto, ao lado do Palácio. Ficamos ensaiando por uns três meses e eu ganhei um dos papéis principais. Ou seja, tinha várias falas, que decorei entusiasmado. E eis que chegou o dia apresentação. Olho por trás das cortinas e vejo o auditório cheio, murmurinhos, risadas abafadas e os professores pedindo silêncio. Na primeira fila estava uma menina por quem eu tinha uma paixão platônica, o nome dela era Flávia. Era muito séria, nunca a vi dar uma risada. As luzes se apagam e começa a peça. Levaria um tempinho ainda antes de entrar em cena. Seguro o roteiro, dou uma última lida e chega a minha vez de aparecer no palco. Vou declamando o texto, olhando para a minha colega de ato, mas então cometo o erro de olhar para a plateia e encaro a Flávia, que me olha bem nos olhos. E então eu esqueço completamente o texto. Simplesmente não consigo me lembrar uma única palavra. Fico ali, estático no palco, tentando não entrar em pânico. Gaguejo alguma coisa e não consigo tirar os olhos da menina. Então recomeçam os burburinhos, e o silêncio se faz. Para mim parece a eternidade, e consigo escutar uma mosca voando no recinto. E nada de lembrar do texto. Até que meu colega Orlando, de trás do palco, começa a sussurrar para mim os meus diálogos, e vou repetindo o que ele vai ditando - tremo todo, começo a suar, até terminar o tormento. A peça acaba, e ninguém bate palmas diante daquele rotundo fracasso. Silêncio. E alguém puxa palmas tímidas e todo o auditório o segue. E eu fujo do palco, querendo me enfiar no primeiro buraco.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

ARRASTÃO

Nessa onda de assaltos à noite no centro de Porto Alegre, lembrei de um ocorrido há uns dois meses. Era domingo e saio do jornal por volta das nove e meia da noite para pegar o ônibus na Salgado Filho. Rua escura, quase ninguém. E na parada só eu. Então chega um rapazinho de seus 18, 19 anos e para do meu lado. Estou com os fones no ouvindo escutando meus rocks. E de canto do olho noto quando chegam mais seis caras, que encostam na parede. Depois de uns 10 minutos cansado de esperar o ônibus, vejo se aproximar uma lotação. Bem, é nela que decido embarcar. Quando subo, pago e sento, o motorista me chama: "Cara, olha lá!". Tiro os fones e pergunto: "O quê?". "Olha lá, estão assaltando aquele rapaz que estava contigo na parada". Olho para trás e vejo os seis caras que haviam encostado na parede cercando o guri, que estava entregando o relógio, o celular e a carteira para eles, que então saíram em desabalada carreira rua abaixo, entrando na Marechal Floriano. O motorista fala para mim: "Na certa esperaram tu entrar no lotação para roubar o guri". "Mas por quê?". "Cara, olha o teu tamanho, não quiseram pagar para ver a tua reação caso decidissem te roubar também".