terça-feira, 13 de maio de 2014

“Estereótipo”

Estou eu e meu amigo Jaime Martins na fila do crediário da Paquetá, lá por 1992, 93, esperando pelo atendimento. No alto-falante está tocando Fágner, e a gente fica tirando sarro da letra da música, “de corno”, dizemos. Na nossa frente, três carinhas, loiros, conversam sobre futebol. E um deles solta a pérola: “Gente, vocês já viram gremista negro? Eu nunca vi, isso não existe, e se existir, está errado”, diz. Os outros dois concordam. “Realmente, negros devem ser colorados”. O alemão Jaime me olha com olhos arregalados. Eu dou um tapinha no cara que fez a pergunta. Ele me encara. “Sim?”. “Cara, eu sou negro e sou gremista. Aliás, toda a minha família”, digo. Ele me olha com uma cara de desaprovação, mas não por eu ser negro e gremista, descobrirei em seguida. “Tsc, tsc...cara, tu não é negro, tsc, tsc, tu é café com leite, pardo, mas negro tu não é”, fala o carinha. “Não, cara, sou negro!”, repito. “Bah, cara, tu não é”, reafirma ele. “Mas pelo menos eu posso ser gremista?”, pergunto. “O azar é teu de ser gremista”, ri ele. “Cada um com seus problemas”, encerra ele.

“Cigarro”

Nunca gostei de cigarro, já contei isso aqui. Até deixei uma namorada sozinha num bar uma vez, ao vê-la acender um cigarro. Então há uns 30 anos estava em Gramado, desci o Caracol, subi, almocei e me estirei no gramado em frente ao restaurante. Do meu lado um rádio-gravador daqueles grandões, emprestado pelo Alemão Sérgio, e no toca-fitas rolando um heavy metal. Eu pus os fones, fechei os olhos e estou lá curtindo o Accept. De repente sinto um forte cheiro de cigarro vindo em minha direção. Abro os olhos e tem um carinha sentado bem do meu lado, fumando. “Pô, cara, tu poderia fazer o favor de fumar noutro lugar?”, peço, educadamente. O carinha me olha, e solta uma baforada na minha cara. “Não!”, responde ele. “Bah, na boa, olha o espaço livre para tu fumar, e tu vem fazer isso do meu lado. Sacanagem, né!”, digo. “Véio, tá te incomodando? Sai fora”, dispara. “Porra, cara, eu cheguei antes e tou de paz aqui”, retruco. E o que faz o fumante? Levanta e chuta o rádio, que voa longe, soltando fita pra fora. Putz, na mesma hora eu me levanto, e parto pra porrada. Nos engalfinhamos ali na grama, aos socos e pontapés, até que somos apartados por pessoas que passam por ali. “Idiota”, berro. “Imbecil”, retruca ele, com as pessoas nos segurando. “O quer houve?”, pergunta alguém. Digo do cigarro fumado na minha cara. “Mas isso, que bobagem...por causa de um cigarrinho...”, ouço as pessoas falarem. Lembrem-se, estávamos na década de 1980, onde as pessoas fumavam em ônibus, elevadores, hospitais e até mesmo no cinema. Eu fiquei sendo visto como um ET. Abaixei, peguei o rádio, a fita, e tive de me retirar do meu cantinho, expulso por um fumante. Ah, fumantes...

quarta-feira, 7 de maio de 2014

“Assalto”

Saio de um show no Opinião, lá pela uma e meia da manhã, isso em 2004, e vou caminhando em direção a Perimetral pegar qualquer ônibus ou lotação que venha para a zona sul. Chego na parada, bem em frente a Praça Zumbi dos Palmares. Comigo mais umas seis ou sete pessoas que também estavam no show. Duas delas sentam no cordão da calçada, e ficamos tentando adivinhar quando vai aparecer uma condução. Nisso chegam três carinhas vindo dos Açorianos, e cada um fica numa ponta da parada. Acho tudo aquilo muito estranho. Eles se olham, e eu observando, e fazem sinais com a cabeça. Então um deles põe a mão dentro da mochila. Putz, eu saco. Eles vão assaltar a galera. Mas como avisar o pessoal sem criar tumulto? Acabo fazendo uma coisa meio egoísta, simplesmente saio correndo em direção ao outro lado da rua. Quando chego na praça, olho para trás e vejo o carinha que tinha colocado a mão na mochila puxar uma arma e apontar para o pessoal. Em segundos, os três limpam todo mundo. Carteiras, celulares, relógios. Eu fico procurando algum brigadiano, algum carro da polícia, mas não vejo nada. Os ladrões terminam o trabalho e saem correndo em direção ao Gasômetro. O pessoal que foi assaltado atravessa a rua, e eu vou de encontro a eles, me desculpando por ter fugido. “Pessoal, eu notei o cara armado, mas como avisar vocês sem levar um tiro? Eu tive de me mandar”, digo, me sentindo culpado. “Cara, fica tranquilo, tu não tinha o que fazer. E faltou atenção da gente”, diz um carinha cabeludo. Então fomos atrás da polícia. Em vão. Depois da tentativa frustrada, consegui pegar um lotação e voltar para casa. Agradecendo ao anjo da guarda.