sábado, 18 de outubro de 2014

"Pedra"

Chove para caramba, e estou na parada de ônibus, me protegendo da água, que cai em diagonal. Nisto olho pro lado e vejo uma senhora caminhando em minha direção, a mão esquerda fechada. Ela segura algo, que não consigo visualizar de longe. Já próxima de mim, ela vai falando algo e vejo que carrega uma enorme pedra. Puta que pariu, serei agredido pela mulher. Tiro os fones de ouvido e me preparando pro golpe, quando ela diz: "Meu rapaz, tu viu o que estou carregando?" "Sim, uma pedra". "Pois é, com esta chuva decidi pegar esta pedra para me defender destes carros que passam e fazem questão de jogar água na gente", diz ela. "Aí quando eles vem vindo, já mostro a pedra e eles desaceleram. Claro que não jogarei uma pedra no vidro, mas dá uma vontade enorme". Olho pra ela e confesso que já pensei em fazer isso, mas eu jogaria a pedra. Não ficaria só na ameaça, mas nunca cheguei a pegar uma pedra no chão para me proteger. "Bem, meu filho, um bom dia pra ti", fala ela, seguindo em frente, e apontando a mão para os carros que vão passando na avenida. Eu fiquei pensando o que poderia acontecer se alguém atirasse uma pedra e arrebentasse o vidro de um carro. Será que o motorista iria parar? Sairia uma briga violenta. A pessoa que jogou a pedra seria presa?

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

"Eleições"

Em 1994 trabalhei nas eleições para governador e presidente. Bem, sempre fui da ideia de que não se pode dar poder a quem não sabe lidar com ela. E foi o que aconteceu com a presidente de mesa onde fui mesário. Logo ao chegar na sessão eleitoral às seis e meia da manhã, veio uma pirralha cagando ordens. "Fulano, você senta lá", "sicrano, você fica ali", "etc, etc". "O que eu faço?", pergunto. "Ah, tu pode sentar ali", disse a guria, apontando uma mesinha, sem nada em cima. Sentei e fiquei ali esperando começarem os trabalhos. Às oito horas começaram a votação e nada de eu ser chamado para fazer algo. Duas horas depois, lá estava eu, na minha mesinha, e nada, nada. E ela berrando com os outros mesários, cagando regras e ordens. "Então, no que posso ajudar?", pergunto. "Fica aí", ordenou a guria. Meio-dia, ela me olha, e diz: "Cara, tu pode ir almoçar agora. Mas volta em uma hora, viu?", ordena. "Ah, tá, muito obrigado pela concessão", ironizo, levantando e saindo da sala. Vou pra casa, puto da cara. Almoço e decido tirar uma soneca. Acordo às duas e meia da tarde, tomo um banho e volto pra sessão às três horas. Quando entro na sala, a guria me olha furiosa. "Onde tu andava, onde tu andava?". "Hello, quem tu acha que é?", pergunto. "Eu sou tua chefe, tu tem de me obedecer", berra ela. "Tem algo errado aqui. Tu é apenas a presidente de mesa, tu não é minha chefe. Quem tu acha que é?". "Eu sou tua chefe", repetiu. "Não vamos a lugar nenhum assim. Te recompõe e muda teu jeito de agir", respondo, ainda falando sobre as bobagens que ela passou a manhã fazendo. Os outros mesários olhavam, boquiabertos. Bem, voltei pro meu canto e fiquei ali, atirado até acabar a votação, às cinco da tarde. Quando simplesmente levantei e fui pra casa. E ainda teria um segundo turno....

"Mesário"

Estamos em 2002. Estou em casa numa terça-feira, por volta das 22h, quando toca o interfone. Atendo e do outro lado da linha, escuto: "É o carteiro". Ué, o que desejaria um carteiro àquela hora da noite? Um golpe, seria assalto? Não libero a entrada do cara no prédio e desço a portaria. E quando chego no térreo, vejo mesmo um carteiro do lado de fora. Abro a porta para ele. "Sim?", pergunto. Ele me passa um envelope e a prancheta com um papel para assinar. "O que é?", questiono. "É do TRE". Então verifico que estou sendo convocado para trabalhar de mesário nas eleições. E simplesmente me recuso a assinar o papel e devolvo o envelope. Ah, não, brincadeira. Mais uma vez. Desde 1990 me pegavam para trabalhar de mesário e eu estava de saco cheio. "Mas o senhor tem de assinar", insiste o carteiro. "Não, não", digo. Ele pega os papéis, coloca na bolsa e escreve algo no papel que me recusei a assinar. E vai embora. Duas semanas depois, toca o telefone. Atendo. "Sim". "Bom dia, por favor, o senhor Francisco". "Eu mesmo". "Aqui é do TRE". "E..." "Bem, o senhor está sendo acusado de crime eleitoral e pode ser preso nas próximas horas". "Como?". A pessoa do outro lado da linha repete. Fico achando que é trote de algum amigo, mas o funcionário continua: "Há duas semanas o senhor recusou convocação para trabalhar nas eleições. Isso é crime e o senhor pode ser condenado até a seis meses de cadeia". Então me dou conta que não contei para ninguém, a não ser a minha namorada da época, sobre o ocorrido naquela terça-feira. "O senhor tem 24 horas para apresentar sua defesa", continua o cara. Na mesma hora, me arrumo e me mando pro TRE, ali na Praia de Belas. Chego lá, e sou encaminhado ao cartório eleitoral. Onde já sou recebido com ironia. "Bom dia, ligaram para mim agora, me ameaçando de cadeia", informo. "Ah, pessoal, apareceu aqui aquele carinha que recusou a convocação", diz o atendente, chamando a atenção dos colegas, que começam a rir. E uma mulher me olha e diz: "Meu rapaz, sua atitude é horrível. Imagina que temos pessoas que até se oferecem para trabalhar nas eleições", dispara. "Ótimo para elas", rebato. "Mas eu não quero mais", completo. "Cadê seu senso de cidadania? ", me diz ela. "Olha, depois de doze anos eu perdi", respondo. "Tsc, tsc, tsc, que triste", escuto. "Por que o senhor se recusou a assinar a convocação?", pergunta o funcionário que me atendeu primeiramente. "Sou mesário desde 1990. Deu, né?". "Sabe, meu rapaz, que tem uma senhora de 78 anos que implora para ser mesária", diz a mulher. "Que bom pra ela. Mas eu não quero mais", repito. "Bem, já que você insiste em negar, tem como provar que foi mesário desde 1990? Caso contrário, você será preso por até seis meses", ameaça o funcionário. "Aliás, você tem 48 horas para comprovar ter trabalhado nas eleições. E só é liberado se tiver trabalhado no mínimo em cinco eleições", ressalva. "Mas não estamos no TRE? Vocês devem ter todos os dados informatizados, né? Passei das cinco eleições faz tempo", afirmo. Ficam me olhando com cara de "ó, que cara esperto, ele nos pegou". "É, temos". "Então vocês não podem pegar meus dados e acabar de vez com esta discussão?", peço. "Lhe daremos a resposta em dois dias", avisam. Dou tchau para eles, que simplesmente me ignoram, virando as costas e voltando a seus afazeres. Dois dias depois, me ligam e informam que eu estava livre para sempre da tortura de ser mesário.