Guaibadas é uma homenagem a Porto Alegre e o rio/lago que o circunda, cidade em que se passa a maioria das histórias que vou contar aqui. Histórias que aconteceram comigo, com amigos e amigas, com conhecidos e desconhecidos. Alguns causos são hilários, outros apenas divertidos, muitos são tristes, outros não tem nada de especial, mas mesmo assim devem ganhar a luz do dia. Enfim, um olhar sobre o porto-alegrense e suas loucuras.
domingo, 18 de agosto de 2013
"Dedo"
No começo de 1988, fiquei desempregado e sem como me manter na república onde morava na Duque de Caxias e ainda por cima cursando o terceiro semestre da faculdade de jornalismo na Unisinos. Meu pai morreu no começo de março e a mesada que ele me dava, evidente, terminou. O jeito foi voltar a morar na casa da mãe, em Viamão, muito a contragosto. Era terrível ficar pedindo grana toda hora pra mãe. Então comecei a procurar emprego, e uma amiga me consegue uma entrevista na multinacional em que o irmão dela era diretor. “Vai ser só um teste datilográfico, apenas pela burocracia, mas você está contratado. A mana me passou excelentes referências suas”, me garante o irmão de minha amiga por telefone na sexta-feira à tarde. O celular era ainda algo impensável, eu estava ligando de um orelhão. A entrevista é marcada para a segunda-feira à tarde, depois que eu chegasse da Unisinos. E no sábado, final de tarde, já escureceu e eu e o Marcelo Sapão estamos na parada de ônibus próxima a casa de minha mãe, falando bobagens, quando vem vindo o Valmor Pinguim, todo arrumadinho. Ele recém começou a namorar a Rose, que morava em um bairro distante. Então o jeito é pegar o ônibus, que só passa de hora em hora. Cabelinho engomado e com mullet, camisa estampada, tipo aquelas usadas pelo detetive Magnum, calça branca e tênis All Star, mas estamos em 1988. “Onde tu vai?”, pergunta o Marcelo. “Na Rose”, responde o Valmor. E lá vem o solitário ônibus, e eu e o Sapão pensamos, “ah, mas ele não vai mesmo, vai perder o ônibus”. A maldade toma conta de nós dois, e quando o ônibus para, seguramos o Valmor para ele perder a viagem. Outro só às oito da noite. Ele se debate, e a gente segurando firme. “Me solta, me solta”, implora, e a gente rindo maldosamente. O motorista vai arrancando, a porta ainda aberta, e o Valmor quer chegar cedo para ver a namorada, e dá um leve soco no Marcelo, que o larga, mas eu continuo tentando impedí-lo de embarcar. E o que ele faz? Consegue num segundo de minha desatenção, puxar o meu dedo minguinho da mão direita. Só escuto um “trac”, e o osso é quebrado. Com dor, solto o Valmor, que pula dentro do ônibus e se manda para ver a Rose. Acabo indo pro HPS, sábado à noite, e diagnóstico: “Dedo quebrado”. Ele é engessado. E lá pelas onze da noite lembro da entrevista de segunda-feira. Bem, como o emprego estava garantido, apareço na empresa com gesso e tudo. O irmão de minha amiga me olha e diz: “Mas o que houve?”. Claro que não iria falar a verdade, e digo que levei um tombo jogando bola. “Mas como tu vai escrever à máquina”, pergunta ele. “Ainda tenho nove dedos...”. Mas não, eles precisam de um datilógrafo para ontem, e não podem esperar pela minha recuperação. Sou dispensado na hora, e passo mais alguns meses de aperto. Como diria minha amiga: “Bem feito, assim tu vê se cresce”. Ih, tá demorando.
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