terça-feira, 6 de agosto de 2013

“Praga”

O time do Correio do Povo, batizado de Inimigos da Bola, vai realizar um amistoso com os veteranos do São José no Passo D’Areia em 1998, domingo pela manhã. Chego em casa e aviso a Beth que vou jogar e depois tem um churrasco. A guria enlouquece. “Mas tu não vai”, determina. “Ah, impossível, eu e o Ilgo somos os organizadores da partida. Não tem como não ir”. “Mas no domingo o Jaime e a Claudia vem aqui em casa almoçar com a gente, já combinei com eles”, avisa ela. “Desmarca”. “Nem pensar”, diz ela. “Então faço o seguinte, vou só no jogo e não fico pro churrasco”. “Não, nem jogo e nem churrasco”, bate o pé a Beth. Aliás, nós dois batemos pé, e ficam aqueles beiços todo o sábado. Domingo pela manhã acordo, arrumo a mochila, e a Beth de pé na porta, só me encarando. “Tu vai teimar e ir mesmo?” “Sim, mas volto depois do jogo, lá pelo meio-dia. Tu combinou com eles que horas, meio-dia, meia-hora. Dá tempo”. “Eu queria que tu estivesse aqui quando eles chegarem”. “Volto logo”. “Tu vai voltar logo e machucado, tenho certeza”, dispara. O Sadi passa em casa para dar carona, vamos pro Passo D’Areia, o jogo começa lá pelas 10h. Metade do segundo tempo, 4 a 2 pra nós, a bola vem passando pela área, vem caindo nas minhas mãos, eu pulo para pegá-la e nos segundos seguintes, caio, e só ouço um “crac”. Caio berrando de dor. Todos correm para a pequena área. O Roque Dalmut, capitão do Zequinha, olha e diz que não foi nada, uma torção. O Ilgo fala o contrário. “Olha, eu acho que pelo berro dele, a perna quebrou”. Como estou com o corpo quente, a dor não é tanta. Acaba a partida, empate de 4 a 4 depois que o Possas entra no meu lugar, e aos 44 minutos, e toma o quarto gol abaixando a cabeça, após um chute fraco de fora da área. Ah, vou ficar pro churrasco, a dor diminuiu. Encho a cara de cerveja, uísque, e nada de dor. Lá pelas 14h, o celular toca, é a Beth. “Não vem pra casa?”, pergunta. “Estou indo”, garanto. Aviso o Sadi que tenho de me mandar, e preciso de carona. “Vamos lá”, diz ele. Vinte minutos depois, abro a porta, e vejo a Beth me olhando furiosa, ao lado do casal de amigos. “Não vou falar nada agora”, diz ela. Entro no banheiro para me lavar, coloco o pé no chão após tirar as chuteiras, e uma dor lancinante toma conta de meu corpo. A Beth corre pro banheiro, abre a porta. “Quebrou a perna, né? Eu sabia que isso iria acontecer”, fala. “Me ajuda aqui”, peço. “Não”, dispara ela, voltando a fazer companhia à visita. Tomo banho, me arrumo e me junto à aquela hora desanimada reunião na sala. Quando eles vão embora, vou ao hospital, sozinho. E sim, o tornozelo direito está quebrado. Volto pra casa, de pé engessado. “Não mandei ir jogar bola. Eu sabia que isso iria acontecer”, escuto da Beth. E passo os próximos 40 dias sentado no sofá, pé imobilizado, e escutando protestos por ter ido ao Zequinha aquela manhã de domingo.

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