Guaibadas é uma homenagem a Porto Alegre e o rio/lago que o circunda, cidade em que se passa a maioria das histórias que vou contar aqui. Histórias que aconteceram comigo, com amigos e amigas, com conhecidos e desconhecidos. Alguns causos são hilários, outros apenas divertidos, muitos são tristes, outros não tem nada de especial, mas mesmo assim devem ganhar a luz do dia. Enfim, um olhar sobre o porto-alegrense e suas loucuras.
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
“Esmola”
Estagiário no Juizado de Menores nos anos 1980, encontro um colega furioso ao entrar no prédio, que ficava na Coronel Vicente. “O que foi?”, pergunto. “Um rapaz pediu dinheiro para fazer um lanche, pois estava com fome”, me conta ele. “Mas como não dou dinheiro de jeito nenhum para pedintes, disse que lhe pagaria um lanche”, continua. Escuto atentamente. “E...” “Bem, vou ali na lancheria, peço que façam um xis, e entrego pro rapaz. Ele pega o lanche, caminha uns 10 metros e atira a comida numa lixeira, e sai correndo, me mandando tomar no cu”, completa. “Se já não dava dinheiro, agora nem comida darei mais”, garante meu antigo colega. Fico com aquilo na minha cabeça. Anos depois, eu e a Beth caminhamos no Centro quase vazio, é um domingo à tarde. Ela está me levando até o jornal. E na Borges de Medeiros dois mendigos deitados em frente a Loja Paquetá. Um deles estica o pescoço no meio de todas aquelas tralhas que costumam carregar, e pergunta, até de forma educada: “Com licença, desculpe incomodar, mas o casal não poderia nos dar um troquinho, a gente está aqui o dia inteiro sem comer nada, estamos morrendo de fome”, fala. A Beth já vai abrindo a bolsa para catar algumas moedas, mas eu digo não, nada de dinheiro. “Não vou dar dinheiro, mas pago um lanche pra vocês”, garanto, já procurando com o canto dos olhos alguma carrocinha de cachorro-quente. E logo ali na frente, do outro lado da rua, vejo uma. Eu e a Beth vamos lá, peço dois hot-dogs, pago, e voltamos aos mendigos. Alcanço a comida para o que está mais próximo. Ele pega os dois pães e já mordisca um, deixando o outro do lado. “Meu amigo, é pros dois”, digo. “Não, é só meu”, grita ele. E neste instante, o outro mendigo se joga nele, os punhos abertos, gritando. A Beth também grita, dá um pulo pra trás, o fedor das roupas sujas dos dois se espalha pelo ar. “A comida é pros dois, comprei pros dois”, repito, e eles se tapeando. A Beth me puxa pelo braço, e pede para sairmos dali. Fiquei pensando se caso tivesse dado dinheiro para eles, iriam se esfaquear.
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