quarta-feira, 31 de julho de 2013

“Praça”

Perto do Colégio Paula Soares tem uma pracinha, mais exatamente na Fernando Machado, não tenho passado por lá, mas havia um posto da Brigada Militar ao lado. Será que ainda está lá? Bem, na época da escola, o local servia para várias distrações. Matar aula era a menor delas. No primeiro grau a turma ia lá para andar de balanço. Um tempo depois a galera namorava por lá. E depois ia tomar vinho de garrafão comprado no Zaffari e claro...fumar um baseado, escondendo o cigarrinho do capeta quando via um brigadiano aproximando-se. Então estamos lá, eu, a Flávia, a Inês Valéria, o Ricardo, colegas que nunca mais encontrei na vida, matando aula, e sentados nos balanços. O garrafão de vinho no chão, aberto, e a gente bebia pelo gargalo mesmo, dando risada e falando do que pretendíamos fazer quando chegássemos à vida adulta. Nisso dois carinhas se aproximam, e gelamos. Sabemos que vamos nos incomodar...Eles vêm vindo, são mais velhos e maiores. Como falávamos naquela época, levaremos um atraque, ou seja, vão surrupiar nosso dinheiro, o material escolar...ih, eu tenho umas revistas em quadrinhos na pasta...”Gurizada, podem cair fora”, dizem eles. Ufa, não seremos aliviados de nossos pertences. Os dois querem a praça só pra eles pra fumar um baseado. O Ricardo, que era bem magrinho, levanta e vai saindo. Eu, cagão por natureza, também. A Flávia idem. Mas a Inês Valéria, que era casca grossa, que para quem falar palavrão era como respirar, não vai entregar tão fácil assim nosso território naquele começo de noite. Ela permanece sentada no balanço, e um dos caras pega o braço dela. “Me solta”, grita. O outro pega nosso vinho. “Caiam fora”, ordenam. E nós paradinhos. “Porra, mina, sai fora”, diz o carinha pra Inês, que fecha as mãos nas correntes do balanço. O cara puxa os dedos dela, e nada. Então ele perde a paciência, e desfere um violento soco no olho da guria, que cai pra trás. Temos de fazer algo. Corremos em direção à ela, a levantamos e olhamos feio pros dois. E eles puxam seus canivetes. Bem, acabou qualquer discussão. Pegamos nossas pastas, deixamos o vinho e vamos embora. No dia seguinte, a Inês chega à aula com o olho roxo, ainda mais evidente por causa de sua pele alva. Ela senta, a gente se olha. E caímos na gargalhada.

"Pés"

Uma das principais características que me atrai em uma mulher são os pés dela. Já deixei de ficar com alguma menina por isso. Pegar na mão o pezinho, beijar, ih...se não me agrado, não tem jeito. Acabou ou melhor, nem começo. Alguns amigos até colecionam fotos dos pés das mulheres com quem ficam. Um, casado, tem várias fotos de pés de amantes em seu celular, ah, se a mulher dele descobre. Pois uma amiga me revela. Nunca, nunca, em seus 30 e poucos anos de vida, um namorado e até mesmo o ex-marido elogiaram, beijaram seus pés. E olha que ela tem os pés lindos, já vi. “Agora, quando vier te encontrar, só virei de sandálias ou chinelinho”, brincou ela. Então fui encontrar uma menina com quem vinha conversando no facebook. Nos encontramos para jantar num shopping. Está quente e ela chega de sapato aberto, mas escolheu pessimamente o modelo, ah, sim, isto para um podólatra também é importante, o sapato, as cores do esmalte. Olho para aqueles pés, e...fudeu. Não vai ter jeito. Até trocamos beijos, vamos pro meu apartamento, transamos, mas eu constato que não vai rolar mais nada concreto entre a gente, quando não beijo os pés dela. Não consigo nem olhar praquelas lanchas. Aí eu penso ser o único maluco na face da terra, e descubro que vários amigos e amigas têm o mesmo sentimento. “Não gostou do pé do parceiro, nada de relacionamento”.

"Dente"

Algumas pessoas não gostam de perder. Crianças choram e talvez fiquem violentas. O Beto ficou violento. Jogávamos botão, e ganhei a terceira partida seguida, o que desagradou meu amigo. Irritado, ele virou a mesa e meus jogadores caíram no chão. Devolvi quase na mesma moeda, ou seja, peguei os botões dele e atirei no meio da rua. O Beto foi lá recolher seus craques, e um deles voou na minha direção, arremessado pelo perdedor. Não tive tempo de desviar, e o botão chocou-se com minha boca. O resultado foi um dente da frente quebrado. E ele ficaria assim 35 anos, até uma dentista colocar uma placa nele.

“Gente como a gente”

Tenho uma amiga que é uma gata. Linda, por onde passa nunca é ignorada pelos olhares masculinos, que a cobiçam sedentamente. Eu mesmo já lhe lancei olhares cobiçosos. Às vezes ela vai a algum bar ou restaurante, afinal curte os momentos de solidão, e sempre tem um carinha pedindo para sentar com ela e lhe pagar uma cerveja. "Não, obrigada", agradece ela. Atualmente está curtindo mais seus felinos em casa, ao lado de uma garrafa de vinho tinto. E mesmo quando está namorando, não abre mão de sua independência. Tanto que em muitas oportunidades, saiu para jantar na Cidade Baixa. E era fatal, levava uma cantada. Dizia então: "Bah, cara, tenho namorado". E sempre ouvia de volta: "Mas o cara é muito trouxa de te deixar aqui sozinha" ou então: "Mas cadê o carinha que deixa uma baita gata assim sozinha na noite...". Ela nem se dignava a responder. Então a turma está reunida, e uma amiga pergunta à ela: "Na boa amiga, como é isso de ser desejada por todos os homens?". "Mas o que tu está dizendo?" "Todos os caras te querem". "Jura, assim fosse...” “Ah, não te faz”. “Além de ser normal, até já fui expulsa da casa de um ex-namorado”, garante a linda, e todo mundo olha espantado. “Mas como assim?”, perguntamos. “Eu era apaixonada por um carinha, irmão de uma amiga, louca por ele mesmo. E consegui namorá-lo. E ele acabou comigo. Não acreditei, o cara me dispensou. Fui na casa dele, ele me pega pelo braço e me tira de lá, dizendo que não queria me ver nunca mais”, revela. “Chorei, chorei, e voltei lá, pedi que ele voltasse pra mim. Ele me pega pelo braço de novo, me põe num táxi, e repete pra mim não voltar. Eu voltei e fui expulsa de novo”, lamenta ela. Uma das gurias não resiste: “Mas quem era este carinha? Era o Gianecchini?”. “Há, há, há, não, mas era lindo”, garante, pegando o computador e abrindo o facebook. Todo mundo corre pra ver ela mostrar um carinha com a cara do...Matheus Nachtergale. “Ainda bem que tem gosto pra tudo”, finaliza alguém.

domingo, 28 de julho de 2013

“Paciência”

O síndico do meu prédio não gosta nenhum pouco de crianças. Veta qualquer brincadeira mais animada da petizada nos dois parquinhos do condomínio. Pois a Sara, afilhada do Alex, está brincando no balanço, e lá vem o síndico, caminhando devagar. A menina, quatro anos de idade, para de se balançar, e cumprimenta o homem. “Oi!”, diz animadamente, vozinha fina de criança. Ele continua sua caminhada implacável, sem olhar para os lados, procurando alguma irregularidade para mostrar seus poderes ditatoriais. “Oi, como está o senhor?”, insiste a menina. E nada de resposta. “Véio, boa tarde”, berra, desesperada Sara, sedenta por atenção daquele senhor de cabelos brancos e semblante seríssimo. Silêncio. E então a doce menininha perde a paciência: “Então é assim? Não vai me dar oi, é? Então vai tomar no teu cu!”, grita, para desespero do Alex, que vê o síndico parar e fuzilar os dois, furiosamente. “Sara, é falta de educação ofender os adultos”, ensina ele. “Mas dindo, eu dei oi pro véio, e ele não me respondeu”, responde a guriazinha, sabiamente. O Alex olha pro síndico, pede desculpas, mas o homem continua furibundo, e prossegue sua caminhada nazista. Mas não multa o condômino.

"30 anos esta noite"

Adolescente, morava com minha mãe e minha irmã adotiva na rua Vasco Alves, ali perto do Gasômetro. E não teve jeito de convencer a dona Flora para que me deixasse ir à final da Taça Libertadores da América entre o Grêmio e o Peñarol no Olímpico, na gelada noite de 28 de julho de 1983. "É perigoso", disse ela, mesmo eu com o ingresso no bolso, presente de meu pai. Os dois haviam se separado um ano antes. Então a torcida era de que a televisão transmitisse a partida ao vivo para Porto Alegre. Àquela época, era pré-pay per view e tevê a cabo, as emissoras só colocavam o jogo no ar caso os estádios lotassem. Bem, a previsão era de um Olímpico lotado. Em Montevidéu, uma semana antes, empate em 1 a 1 no mítico Estádio Centenário na partida de ida. O Grêmio saiu na frente com gol de Tita, e os uruguaios igualaram com o cracaço centroavante Fernando Morena. Então, chegou o grande dia no Olímpico. Frio de 5 graus na capital gaúcha, e público de 73.093 pessoas. A decisão, ufa, teria transmissão para Porto Alegre. E eu em frente a televisão de 14 polegadas, colorida naquelas, muito chuvisco, fantasmas, a antena com bombril. Nervosismo à flor da pele. Logo aos 9 minutos, o Grêmio saiu na frente com gol do centroavante Caio depois de cruzamento da esquerda do meia Osvaldo. Foguetório na cidade, pulo enlouquecido pela sala do pequeno apartamento. A mãe e minha irmã no quarto, alheias àquela loucura. Vinte e cinco minutos da etapa final, e uma ducha de água fria na gremistada, quando Fernando Morena, sempre ele, empata numa violenta cabeçada à queima-roupa, sem chances para Mazarópi. Não vai dar, penso. Os carboneros vão virar e ser campeões, ops, pentacampeões, pois haviam vencido um ano antes e também em 1960, 1961 e 1966, ano de meu nascimento. Me desespero. E seis minutos depois, o lance mágico. Coloco o jogo nos pés mágicos de Renato Portaluppi, o ponteiro-direito rebelde vindo de Bento Gonçalves, apenas 20 anos, e o centroavante César, ex-América-RJ e vindo do Benfica. "Agi por intuição ao mandar aquele balão para a área uruguaia", lembrou Renato. Numa disputada jogada na ponta-direita, o atacante recebeu de Tarciso e foi cercado por dois adversários. Então levantou a bola e mandou uma bomba para a área do goleiro Fernández, que não tentou interceptar o lance. "Não vi o César na área. Apenas pensei que é dentro da área que as coisas se resolvem. Ali tudo pode acontecer", analisou o hoje técnico tricolor. "Foi um lance de gênio", garante o eterno ídolo, sem falsa modéstia. E quem finalizou o lance de gênio foi César, que entrara em campo aos 18 minutos da etapa final no lugar de Caio. O incrível é que dias antes Sônia, a esposa do meia Tita, havia sonhado que César faria o gol do título e que o Grêmio seria campeão. "Eu acompanhava atentamente o Renato e o Tarciso encurralados na ponta-direita. E no momento em que o Renato deu o balão, corri para a área. Ela veio chegando, os caras olhando para cima e notei que não conseguiria alcançá-la com os pés. Aí decidi pular e enfiar a cabeça, mesmo com o pé do Olivera na minha frente", recorda. E você não teve medo de se machucar, pergunto. "Você já teve medo de fazer uma entrevista", devolve o César. "Já", confesso. "Pois eu não tive medo, pois queria ser campeão. Poderia ter a cara estourada, mas faria aquele gol", continua o ex-atacante. "Tenho muito orgulho de ter enfiado a cara naquela bola", afirma. Na comemoração do gol é possível ver César ser abraçado por Tita, que segundos depois lembra da profecia de Sônia, põe as mãos na cabeça e cai no choro. A decisão ainda teria mais uns 15 minutos, duas expulsões, do uruguaio Ramos por agredir Mazarópi, e Renato por cair na provocação dos adversários. E finalmente o árbitro peruano Edison Perez apita o término do jogo, e solto o choro. Exatos 30 anos atrás, completados esta noite. No dia seguinte, chego no Colégio Paula Soares com um sorriso bobo na cara. Os colegas colorados desde 1981 já não infernizavam pelo Grêmio não ter um título do Brasileiro. E agora eu era campeão da América, e eles não eram. No Brasil, além do Grêmio, só o Santos, o Cruzeiro e o Flamengo possuíam tal honraria. O próximo passo era o Mundial, em Tóquio, em dezembro, na decisão com o alemão Hamburgo, mas esta é outra história.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

“The Wall”

Quando The Wall, do Alan Parker, estreou em Porto Alegre, em 1983, não fui assistir. A Anamaria, o Alexandre, a Paula Cristina e a Alessandra mataram aula para ver o filme com as músicas do disco homônimo do Pink Floyd. No dia seguinte, contaram extasiados como havia sido a aventura. Apesar da ótima memória que tenha, não recordo desta vez o motivo de não ter ido assistir ao filme de minha banda preferida, que à época ainda não era a minha banda preferida. Era o Van Halen. E The Wall saí de cartaz. Quando conseguiria ver de novo? Nem ideia, afinal à época não existia DVD, video-cassete, nada. Teria de esperar que um dia alguma das seis emissoras existentes (Guaíba, Manchete, TVS, Cultura, Bandeirantes e Globo) se dignassem a passar a trama considerada psicodélica. Então em 1985, eu já fã inexorável, possuidor de todos os discos do Pink Floyd, fico sabendo que o Cinema Imperial passaria uma semana completa de The Wall, sempre às 20h e às 22h, entre a segunda e a sexta-feira. Mas catzo, bem na hora da aulas no Paula Soares. Tudo bem, eu só preciso de duas horas na segunda-feira. Às sete e meia eu desapareço do colégio e vou ao cinema. Até me assusto quando vejo a fila enorme para comprar o ingresso e penso que não conseguirei. Respiro fundo e tento não me desesperar, mas já desesperado. E consigo o desejado bilhete. Entro na sala, banco de madeira. E começa The Wall. Uma hora e meia depois, estou ali, simplesmente enfeitiçado, sem palavras. Alucinado, apaixonado por toda a vida. E decido ficar para a sessão seguinte. E naqueles anos de cinema de rua havia uma vantagem maravilhosa. Quando uma sessão se encerrava, a gente não precisava sair da sala. Podia ficar para quantos sessões desejássemos num mesmo dia. E eu fiquei para a sessão das dez. E simplesmente voltei em todos os dias seguintes, terça, quarta, quinta e sexta. Aí o filme saiu de cartaz. E eu assistia o filme em casa. Colocava os discos, fechava os olhos e imaginava as cenas. Até ser abençoado com a chegada, primeiro do video-cassete, e depois do DVD. Agora já perdi a conta das vezes que assisti The Wall. Confortavelmente entorpecido (Comfortably Numb).

“Agora?”

Os pais do Marco Antônio já tinham quase sessenta anos, e a gente imaginava que eles nem transassem mais. Um sábado de inverno, frio, chuva, a turma decide ir dançar no Partenon Tênis Clube. Cada integrante da turma vai passando na casa de outro, e assim por diante, aumentando o quórum. Depois de oito casas e oito pessoas arregimentadas, resta o Marco Antônio, que está jantando pela terceira vez em duas horas. “Cara, vamos lá, tá pronto?” “Tou acabando aqui”, diz ele, limpando o resto da sopa com uma fatia de pão, e correndo pra escovar os dentes. “Deu, pronto”. “Mas tu vai sair assim? Tá frio e chovendo lá fora”, avisa o Fernando. “Esperem, que vou pegar meu casaco”. E nada de achar o casaco. “Mana, viu meu casaco”, pergunta ele pra Gorete. “Acho que vi na cadeira no quarto do pai”, informa a guria. “Bah, é mesmo”. São onze da noite, e a porta dos pais dele está fechada. Devem estar dormindo. O Marco Antônio bate na porta e nada. Bate de novo. Nada. “Pai, mãe”. Nada. Então ele gira a maçaneta, e ah, não está trancada, entrando no quarto. “Agora, Marco Antônio, agora? Logo agora?”, berra o velho. A turma escuta os gritos e corre pro recinto, vendo os pais dele, nus em pelo, um sobre o outro. O Marco Antônio corre, pega o casaco, e ninguém ri, ninguém ri. Aos olhos de um bando de adolescentes nos anos 1980, a cena foi muito bizarra. Assustadora. Só meia-hora depois, o Lauro faz uma piada, e todos lembram do momento, e começam a rir. E durante um ano, toda a vez que o Marco Antônio falava algo, alguém soltava a frase mágica: “Agora, Marco Antônio, agora?”.

“Amarelos”

Uma das saias justas mais terríveis que assisti ocorreu no Cinema 1-Sala Vogue, na Independência. Sábado à noite, estreia do oscarizado Gritos do Silêncio, sobre o Khmer Vermelho e a Guerra no Camboja no começo dos anos 1970. O filme vai terminando, após mais de duas horas de assassinatos, explosões, tentativas frustradas de fuga. Entra a música Imagine, do Lennon, quando os personagens principais se reencontram e se abraçam. Choradeira no cinema, as luzes se acendem, e um carinha sentado perto de mim berra: “Bah, finalmente acabou esta porcaria. Não aguentava mais ver este monte de gente amarela na tela. Ainda bem que mataram metade deles...” Eu me viro, outras pessoas se viram, e o carinha racista se vira, e na fila de trás, uma família de asiáticos, sete, oito pessoas, entre homens e mulheres, rapazes e moças. Todos olham desconsolados para o cara, nada de mágoa nos olhares, apenas tristeza. O carinha tenta se desculpar: “Não quis dizer vocês, quis dizer lá do filme, sabe, aquela gente amarela violenta...” E ele não sabia mais o que dizer. As pessoas se levantam e um senhor toca no ombro dele: “Moço, só tá piorando. Só fica quieto”, e olha praquela familia. “Perdoem ele”.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

"Haley"

Aniversário de 15 anos da Hellen, no Clube dos Funcionários do Tribunal de Contas, no Cristal. O Denilson passa uma descompostura no resto da turma, pois segundo ele, a galera não sabia se comportar e fazia fiasco. Deveriam ser como ele, ou seja, não beber e nem atacar as guriazinhas. A turma escuta o sermão, se olha de canto e prepara a vingança. Enquanto tomam um gole de cerveja, oferecem dois copos cheios para o Denilson. Ele acha poder se controlar, e acaba perdendo a conta. Após o corte do bolo, a aniversariante vai distribuindo souvenires de seus 15 anos, na mesma noite em que o cometa Halley cruzaria os céus. A Hellen oferece uma lembrancinha, um cartãozinho com os dados da festa e um pequeno boton, para o Denilson. “Não, obrigado, estou satisfeito”, diz ele, vomitando em seguida. Quando vê, aliás, não vê, está sendo expulso do salão pelo segurança. Completamente alcoolizado, cai na frente do clube, e continua a devolver ao mundo as bebidas e comidas que ingeriu naquela noite. Em seguida, começa a tremer. O Jaime vai ao seu socorro. O cara está pálido. “Chico, empresta tua camisa para aquecer o Denilson”, pede. “A minha camisa é nova, e o fiasco é dele”, solto. O Beto é expulso em seguida, sai do clube torto de bêbado. Enfia o dedo na goela, vomita uns dois litros, e na hora fica são. “Vamos de novo”, fala. E o Denilson desmaia. O pessoal larga ele, para em vão tentar enxergar o Halley. Nisso passa um lotação, que para. “Moço, precisamos levá-lo pro hospital”, pede o Lauro. “Ele está bêbado?”, pergunta o motorista. “Sim”. “Então nada feito”, garante, pisando fundo. O jeito é tentar pegar um ônibus. Mas não passa nenhum. “Alguém aí viu o Halley”, pergunta o Marco. “Nada”, avisa o Marcelo, pendurado numa árvore. Finalmente vem um T-4. Embarcamos nele, o Denilson sendo carregado por dois dos guris. Descemos na Igreja São Jorge, para pegar o ônibus para Viamão. Começo a contar. Éramos 12 na festa. Conto apenas 11. Cadê o 12º? Olho pro T-4, e lá está o Leandro Radial dormindo, a cabeça encostada na janela, e o ônibus se vai em direção a Ipiranga. Bem, azar dele, pensamos. O cara só acordou no final da linha, na Assis Brasil, e sem dinheiro, teve de pedir carona para poder voltar para casa. Ah, o Denilson? Passou o domingo praticamente em coma.

"Casal"

Estou lá sentadinho em meu lugar preferido no restaurante ao lado do Tribunal de Justiça, na Praça da Matriz, comendo minha salada forçada da semana. Na mesa ao lado, um casal jovem, cerca de 30 anos. A guria, loirinha, olhos castanhos, olha apaixonada para o carinha, que tem em sua frente um prato transbordando de arroz, feijão e vários bifes. Ele come, bebe um guaraná, tudo de boca aberta. O prato dela tem saladinha, frango, arroz e feijão. E ela toda educadinha, tomando água mineral. Ai acaba e levanta para pegar mais comida, e o cara não perdoa. “Onde vai a gorda? Pegar mais comida? Não é a toa que está deste tamanho, enorme...” E a guria não tem nada de gorda. Deve ter uns 1,70m e uns 60, 63, 64 quilos no máximo. E fica vermelha. Pensa em desistir de voltar ao bufê. “Amor, tu acha?”, pergunta ao sei lá se namorado, noivo, marido. “Saudade do tempo que tu era magrinha, agora tá isso aí, estourando...” “Só vou pegar um pedacinho de peixe...” “Não sei como ainda te aguento, vai lá, come, gorda!”. A guria desiste e senta de novo. Ele termina a comida dele, levanta e vai buscar mais. Seu rosto some atrás do prato cheio. A loirinha fica ali, observando encantada o carinha, devorando o almoço. Não ousa comer mais. A barriga deve estar gemendo de fome. Ele pega um palito, põe na boca, e vai buscar a sobremesa. Não consigo parar de observar a dupla. “Amor, posso comer um pudim?”, pede ela. O cara faz um beiço, mas um beiço, que eu pensei que fosse bater na guria. “Tu não me escuta, né? Só pensa em comer, depois vai virar uma bola. E o que farei? Chutar a bola”. A guria sendo humilhada ali, mas conformada. Eu já terminei de comer, mas fico bebericando minha fanta laranja, para ver aonde vai terminar aquilo. Ela faz beicinho, pede: “Ah, só um pedacinho, deixa...” Silêncio. Ela pega o pudim, come e eles levantam. “Fulana (não consegui escutar o nome dela), tu paga, pois não trouxe meu cartão”. Ela paga, pega a mão dele, e saem do restaurante.

“Gato”

Timidez, burrice e cegueira definitivamente não combinam. Apaixonado ainda por uma namorada que me abandonara meses antes, isso lá nos idos dos anos da primeira metade dos 1990, eu sempre dava um jeito de visitar a guria para ver se ela não mudava de ideia e reatava. E nada. Uma tarde fria de inverno, saio do trabalho dela e vou chorar as pitangas com minha amiga Eliana Camejo, então produtora na Rádio Guaíba. Chego lá, ela serve um café e saio a lamentar o desprezo da ex-namorada. Na semana seguinte, o mesmo roteiro. Entro na sala e a Eliana me vê, mas não oferece a cadeira para eu sentar. E eu desfiando lamúrias. E a Eliana fazendo sinais...e eu sem entender nada. Depois de encerrar o relatório, vou embora. E horas depois, a Eliana me liga. “Tu é retardado ou o quê?” “Ãnnn?!”. “Chico, tu não viu que tinha uma guria sentada do meu lado?” “Eu não” “Pois tinha, e ela ficou ali babando, e tu falando sem parar” “Mas queria que eu fizesse o quê?” “Ora, calasse essa boca, ou no mínimo não ficasse se fazendo de coitadinho” “Mas...” “Nada de mais. A minha amiga ficou ali, te admirando e querendo saber quem tu é. Fiquei louca pra dizer que tu é um amigo meu retardado, mas deixei pra lá. É o seguinte, ela vem aqui de novo depois de amanhã, lá pelas quatro da tarde. Aparece aqui”, ordena a Eliana. Bah, me borro todo, tento inventar uma desculpa, sem sucesso. “Aparece aqui”, finaliza a Eliana. Tá bom, acabo aparecendo, tremendo todo. Entro na sala, e os olhinhos da guria brilham. Tento não gaguejar, me apresento. “Oi, Chico”. “Oi, me chamo Adriana”. Três beijinhos, tomamos um café servido pela Eliana, e eu tentando não falar da ex-namorada. A guria é bonita, fala, fala, eu tentando não gaguejar. Os minutos passam e tenho de ir embora, trabalhar. Levanto, me despeço do nada. E saio rapidamente. E a Adriana vem atrás de mim, e me segura o braço no elevador. “É assim, vai embora sem mais ou menos?” “É que tenho de trabalhar”, digo. “Mas tu não notou nada?”, pergunta ela. “Não”. “Cara, te acho o maior gato, estou apaixonada por ti desde que te vi outro dia”, dispara a Adriana, sem nenhuma vergonha. E o que o idiota faz? Ao invés de beijá-la ali mesmo, convidá-la para sair, sei lá, qualquer reação mais digna, eu simplesmente digo: “Valeu”, e entro no elevador. Não foi um valeu de desprezo. Foi de vergonha, timidez. Uma mulher linda encara um carinha normal no corredor, se declara, e o máximo que ele diz é “valeu”. Ou seja, a guria se sentiu desprezada, enxergou um fraco à sua frente, e perdi o encanto para ela. Tomei bronca da Eliana, que ficou sabendo, evidente, de minha estupidez. E ela me manda ligar para a Adriana. “Leva ela para jantar”, ordena, me dando o telefone. Eu ligo e escuto a guria dizer, após fazer o convite: “Vou ver a minha agenda e te ligo, tá?!” Estou esperando a ligação faz mais de 20 anos.

“Nega Maluca”

A Soraya era uma das pessoas que cuidava de mim quando eu estava trancafiado em casa, com depressão. Ela chegava com seus pufs no formato da Minie, conversava comigo, depois que eu me tranquilizada, ia pro computador, conversar com seus mais de 500 contatos no MSN, enquanto que eu quase vegetava no sofá, arrasado pelo pontapé que havia levado de uma namorada. Eu assistia filmes, tentava me concentrar em alguma leitura. Então a Soraya levantava, se dirigia à cozinha, e ia fazer bolo de chocolate, que devorávamos na madrugada, enquanto ela contava de suas paqueras no colégio. O tempo passou, saí da fossa, volto a namorar outra menina, e a Soraya conhece um carinha, e engata um namoro. Somem os bolos de chocolate. Retomados um tempo depois, quando voltamos a ficar solteiros. Eu ligo pra Soraya: “Sô, sobe e vem fazer a Nega Maluca”. Nega Maluca e Coca-Cola ou café preto e filmes, filmes, filmes. Uma noite chego em casa, e a Sô, que estava namorando de novo, toca a campainha. Abro a porta e ela chora convulsivamente. “O que foi, Sô?” “O carinha me deixou”. “Sô, faz um bolo...”. “Isso mesmo, vou fazer um bolo”, anima-se ela, aos soluços. E enquanto vai preparando o bolo de chocolate, vai contando o pontapé na bunda, e vai virando quase todo o saco de açucar na forma. “Sô, o açucar, o açucar...” “Masssss.....eu...eu....”, e o ranho escorrendo pelo nariz dela. O jeito é fazer o bolo de novo. Os anos passaram, a Soraya conheceu outro carinha, noivou e foi embora. Aí fiquei sem quem faça meu bolo de chocolate. Até que um final da tarde desses, toca a campainha. Abro a porta e dou de cara com a pirralha da Anna Julia, filha adolescente da Rose. “Chico, pra ti”. Olho e um pedação de Nega Maluca. Mesmo que não possa e nem coma mais doces como antes, aquela iguaria ali...Pego, já pensando em devorá-lo. Aí a Anna Julia avisa: “Chico, se estiver bom, fui eu que fiz, tá? Mas se estiver ruim, foi a mãe”, e vai embora. E volta e meia a Anna Julia toca a campainha, e me entrega um pedaço de bolo. Sempre gostoso. E sempre o mesmo recado: “Se estiver bom, fui eu que fiz. Se estiver ruim foi a mãe”.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

“Cine ABC”

O Cine ABC, na Venâncio Aires, foi um grande lugar cult pra mim nos anos 1980 e início dos 1990. A sessão da meia-noite lotada, o sino tocando antes de iniciar clássicos como Betty Blue, Asas do Desejo, Meu Pé Esquerdo. Mas nada marcou mais do que The Doors, em 1991. E até hoje penso que o Cine ABC tem o recorde mundial de público numa mesma noite, com mais de 500 mil espectadores para ver a sessão do filme do Oliver Stone e estrelado pelo Val Kilmer. Afinal, até mesmo quem tinha 10 anos ou nem era nascido à época estava lá. Vai entender. Então detalhes para a próxima vez que me contarem terem assistido o filme naquele sábado à noite. Vinte e três horas, e a fila avança e dobra a José do Patrocínio, em frente a Praça Garibaldi. Ao meu lado o Beto Faleiro e o Alemão Ludwig. E quando nos aproximamos da porta principal, a fila estanca. Lotou. Com ingressos na mão, que ganhei na Ipanema FM, onde trabalhava como redator, nos apavoramos. Mas como, como ficar de fora da sessão da meia-noite? O gerente vem à frente e conversa com a multidão de roqueiros, hippies, punks...”Pessoal, lotou, mas é o seguinte, faremos uma outra sessão depois, lá pelas 3h”. Aplaudimos, vibramos, alguém faz um trocadilho: “Então não é O Fim?”. Agora esperar. Então uma galera, entre os quais eu e meus amigos, vai pra Osvaldo, comer e beber na Lancheria do Parque enquanto espera impaciente às 2h30 da manhã. Voltamos, e às 3h da matina o sino toca de novo, e começa a sessão. Um maluco fica só de cueca e sai correndo em direção à tela, e é acompanhado por outro doido. A turba bate os pés no chão, e o filme começa e o silêncio se faz por duas horas e meia. Cinco e pouco da manhã saímos do cinema, e chove sobre Porto Alegre. E a gente caminha na chuva, feliz da vida. E atravessamos a Osvaldo Aranha e entramos no Parque Farroupilha. Ah, não, esta é outra música, de outra banda....

terça-feira, 23 de julho de 2013

“Churrasco”

Um amigo me conta que outro dia estava em uma churrasco no condomínio dele com outros vizinhos, alguns novos. Quase só casais, domingo à tarde, chuva caindo lá fora, carne, cerveja, salada de maionese. E uma mulher encostada na parede, tomando cerveja e sorrindo para ele. Ele olha pros lados, achando que não é com ele. E sua esposa cercada de outras mulheres, conversando animadamente, certamente sobre futuros filhos, pois ela quer ser mãe, e ele, pai de um garoto de dez anos do primeiro casamento, no momento nem cogita a hipótese. Então um carinha que ele não conhece chega nele. “E aí, meu velho!”. “E aí?”. “Tá vendo aquela loira ali, encostada na parede?”. “Sim”, garante meu amigo, afinal a tal loira é uma mulher portentosa, tipo estas cavalas funkeiras. “Pois ela me disse que gostaria de transar contigo”, já dispara o mulato alto, careca e de cavanhaque. “Cara, minha mulher tá ali, sou fiel, sabe...” “Cara, olha bem aquela mulher, tu vai perder a oportunidade?”. O cara foi tão convincente, que meu amigo já se viu transando com a loira.“Pois veja bem, se tu topar, encontra com ela no décimo andar, atrás da porta corta-fogo, em cinco minutos”. Talvez motivado pela cerveja, pela curiosidade, para apimentar a vida de casado, ele topou o desafio, e nem pensou que poderia ser uma pegadinha. Um trote. E não era. Meu amigo encontrou a loira no andar e no minuto combinado, e se entregou a luxúria. Ela o beijou, beijou, fez sexo oral e o mandou colocar uma camisinha. O cara não acreditando que aquilo estava acontecendo. Estava então trepando com a loira quando a porta corta-fogo abriu. “Deu, me fudi”, pensou ele, quando enxergou um vulto. E aparece o negão, que tira uma enorme benga pra fora e começa a se masturbar. Depois a guria dá um beijo no meu amigo, se afasta dele, e vai transar com o negão. Meu amigo contou que foi mandado embora por eles. E obedeceu direitinho. Voltou pro churrasco, com a maior cara de pau. E minutos depois, o negão e a loira retornam para a churrasqueira. De mãos dadas. “Sim, Chico, isso mesmo que tu está pensando, eles são um casal. E dias depois descubro que não fui o único vizinho a participar dos joguinhos deles. Mas aí o que está me incomodando...será que a minha mulher já não foi convidada por eles, e se foi? Aceitou? E foi com ele ou com ela, ou com os dois?” “Meu velho, quem está na chuva é pra se molhar”, digo pra ele.

“Amigdalas”

Já fui acusado de xenofobia. Na oitava série, no Colégio Paula Soares, foi contratado um professor baiano, não recordo o nome, de Ciências, para o lugar da Melda, que ficou doente. Negro, magro, meia-altura, de óculos, ele foi logo tratando de impor restrições à turma 803. Silêncio extremo na aula, trabalhos em excesso, rigor no horário – não deixava ninguém atrasado entrar na sala, e não desperdiçava nenhum segundo com papo furado. A turma até aceitou quietinha. Mas a gente não resistia ao sotaque baiano do vivente. Arrastado. E ninguém perdoou quando ele soltou um “amiguidálassssss”. Risada geral. A Rosane Sant’Anna soltou uma gargalhada quase histérica, e a minha risada, se não era ribombante como hoje, estava sendo formada. E o Alexandre ria fininho. Puro deboche. Aí o João Inácio perguntou lá do fundão: “Como é mesmo, professor aquela coisa que fica na garganta?”. E ele caia direitinho: “Amiguidálassssss”. Quá, quá, quá...O professor ficava puto, e dê-lhe tema de casa em dobro pra galera. Na aula seguinte, o Alfredo: “Professor, aquela coisa na garganta...como mesmo que a gente chama?”. E o baiano: “Aamiguidálassssss”. A turma: quá, quá, quá....a Rosane acabou sendo apelidada Maria Risonha por ele. “Maria Risonha”, chamava ele. O Alexandre era o garoto sensível. Comigo a implicância era na gagueira. Com a Lúcia era a falta de feminilidade, e por aí em diante. Pronto, comprou guerra com todo mundo. Ele ficava de frente pro quadro negro, que é verde, de costas para a turma, e voavam papeizinhos, pedaços de giz, ouviam-se risadas abafadas, o João imitava o som de cães e gatos. Uma tarde o professor parou a aula e saiu da sala. Minutos depois, alguns alunos, entre eles eu, éramos convocados ao SOE pela Margareta. “O que está acontecendo?”, perguntou ela pra mim, que era o líder de turma. “Não sei”, respondo. “Pois o professor vem reclamando há dias que vocês vem se portando pessimamente em aula, que vocês debocham dele”. “Nós, não, impossível”. O professor estava ali na sala do SOE e se manifesta. “É o seguinte, esta turma não me respeita por eu ser baiano, por ser nordestino. São racistas”, declara ele. “Crianças, não vou admitir xenofobia aqui”, dispara a Margareta. Nos olhamos assustados, afinal de contas o que vem a ser xenofobia? “Sou negro, de fora, e eles não aceitam isso. Debocham de meu sotaque, de tudo”, continua ele. Nos defendemos, a gente só diz que acha engraçada a forma de ele pronunciar amigdalas e nada mais. Assim como ele também debocha de características de alguns alunos. A Margareta olha pra ele: “É verdade?” “Sim, professora, ele fica chamando a Rosane de Maria Rosane e por aí em diante”, a gente berra. O clima fica pesado, mas não existe outra solução a não ser termos de conviver com ele até o final do ano. E quase repito de ano.

domingo, 21 de julho de 2013

"Homem do Gato"

Vinhamos eu e o Possas pela Rua da Praia, quando algo atinge meu pé. Olho para baixo e vejo uma geleca grudada no meu tênis. Segundos depois, o famigerado "Homem do Gato" puxa a geleca, mia e dá uma gargalhada, que é seguida por umas 40 pessoas que assistiam sua performance em frente ao shopping. Não dou bola para a brincadeira, mas o Possas se enfurece e começa a xingar o comediante. "Tu é um vagabundo, não pode fazer isso com meu amigo", berra o baixinho. "Possas, deixa pra lá, é uma brincadeira", digo. O Homem do Gato, aquele carinha que fica socando um saco e fazendo o som de um bichano miando, e sua assistência olham admirados aquele louquinho berrando. "O que vocês estão olhando? Bando de vagabundos, desocupados", continua o Possas. Eu não acredito naquilo. O Homem do Gato resolve devolver as ofensas do Possas, mas de forma debochada. "Tu tá bem? Tu é feio assim mesmo ou está usando máscara?", provocou. "Me respeite, tu não sabe com quem estás falando. Sou uma pessoa muito importante, e posso mandar te prender", blefa o anãozinho. "Ui, que medo", responde o palhaço de rua. A galera se mijando de rir, muitos achando que aquilo era uma encenação. Eu vou saindo de mansinho e atravesso a rua, parando em frente ao Estúdio Cristal, no Correio do Povo. "Sou militar, de uma família importante de Pelotas. Exijo que tu pares", insiste. "Pessoal, explicado, ele é pelotense e feio, ui, ui, ui", debocha mais ainda o Homem do Gato. "Chega, tu vais apanhar", ameaça o Possas, levantando os punhos e indo em direção ao palhaço. Um metro de distância, ele para, olha pra trás e me vê do outro lado da rua, parado. E dá marcha à ré, sai correndo, e o Homem do Gato e o povão berrando: "Volta, volta, bunda mole, cagão". O Possas atravessa a rua. "Por que tu não me ajudou?", pergunta. "Mas ajudar no quê?" "Eu estava te defendendo". "Não, tu não estava me defendendo, tu é louco de pedra", encerro.

“Antonella”

Quando cheguei em casa, Antonella me esperava, sentada no sofá. Seu ar juvenil era encantador. Os longos cabelos molhados davam-lhe um jeito de lolita das mais pecaminosas. E ela não teve vergonha em se ajoelhar e abrir minha braguilha ali na sala mesmo, puxar meu pau pra fora e o colocar na boca sofregadamente. Enquanto o chupava, tirou o cinto, arriou as minhas calças e fez um serviço completo. Sua língua passeou por minhas bolas, depois pela cabeça. Era um trabalho de uma veterana. Feito por uma garota de 17 anos. Tive a impressão de nunca ter sido chupado daquele jeito. Fiquei, enfim, completamente nu e ela me deitou no chão, colocando a mão direita em meu peito. Antonella parou um pouco para se despir, enquanto que tive teve de me conter para não gozar. Já totalmente nua, Antonella voltou a abocanhar meu pau. Até que não suportei e enchi a boca dela de porra. Que ela sorveu até a última gota. Ela me fitou com um olhar sacana, colocou os dedos na boca e disse que desejava ser fodida. Que queria ser penetrada até gozar. Não foi difícil ter outra ereção. A joguei no sofá e a possui com todas as suas forças, enquanto sugava os seus seios grandes e duros. Antonella fechou os olhos e grunhiu. A virei de costas e enfiei meu pau na boceta dela, enquanto a cavalgava e puxava seus cabelos. Gozei novamente, inundando a boceta da garota, que também chegou ao gozo. Nós dois, esgotados, nos jogamos no chão, suados. Antonella deitou a cabeça no meu peito e fechou os olhos. “Nossa, como você é gostoso” - elogiou ela. “Meu deus, você que me deu um calor...” - retribui. “ Gostou do meu boquete?” - disparou ela. “Que dúvida! Nunca tinha sido chupado assim, dessa forma”, jurei. “Sempre quis fazer isso - confidenciou ela. - Desde a primeira vez que peguei um dvd do meu irmão e vi uma cena assim. Mas não queria fazer com qualquer um e sim com quem realmente gostasse...adorei sua porra quente na minha boca.”, garantiu. “Não teve nojo?”, questionei. “Não. Por que teria?” “Sei lá, geralmente as mulheres não gostam.” “Quem por exemplo?” “Ora, as mulheres no geral.” “Mas quem por exemplo?” - insistiu ela. “Quer mesmo ouvir?” “ Sim.” “Tá, eu tive uma namorada que preferia fazer um boquete do que ser fodida. E queria sempre que eu gozasse na boca dela. Só que tão logo eu o fazia, ela saia correndo para o banheiro e cuspia tudo, com nojo...” “Jura?” “Sim.” “ Que fresca.” “Outra só aceitava que eu gozasse nos peitos dela. Na boca nem pensar.” “Então você nunca mais vai me largar”, sentenciou Antonella, continuando: “Sabe a primeira vez que eu chupei alguém? “ “Não, né, hoje?”. “Com 14 anos. Com um namoradinho da escola. Estávamos estudando no quarto dele e antes de eu ir embora, o puxei e o chupei. O guri quase morreu de susto. E nunca mais falou comigo”. “E ele gozou na tua boca?” “Não. Foi uma coisa mal-feita e eu nem pensava nisso. Só tinha curiosidade. Dei uma chupadinha, mas o fiz gozar com uma punheta”. “Você é perigosa...” “Por que os caras têm a mania de puxar a cabeça das mulheres para que elas façam boquete? “ “Porque ser chupado é a melhor coisa que tem. Por que esta pergunta depois de aprontar esta?”, ri. “É que com 12 anos um cara tentou fazer isso comigo, e com 13, com 14. Eu odiava, mas ia ficando curiosa.” “ Põe curiosa nisso”, encerrei.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

“De roncos e maquiagem”

Inverno, chuva, frio, sábado a noite. E a Liana decide fazer uma jantinha na casa dela pra mim e o Luciano. A gente passa no Zaffari, compra os mantimentos, e claro, vinho e cerveja, muito vinho e cerveja. Três horas depois, alimentados, e com o vinho e a cerveja terminando, aliás, terminados, estamos os três estirados pela sala. Escutamos os clássicos dos anos 1980, e cada um falando de seus desastres amorosos novos e antigos. A Liana revira os armários e encontra um garrafa de uísque. Então vamos nessa, uísque, que é rapidamente finalizado. O Luciano sugere que busquemos mais cerveja na loja de conveniência do posto de gasolina, mas a chuva aperta lá fora. E não estamos muito em condições de caminhar umas três quadras. Cavoca daqui, cavoca dali, e a Liana acha tequila e absinto. Já não falamos mais nada com nada. E revelo: “Nunca tomei tequila e absinto na vida”. Bêbado é foda, já diz um antigo ditado. “Então hoje você vai perder a virgindade”, ri a Liana, servindo tequila pra mim. E eu emborco a bebida. O Luciano ri desvairado, enquanto tenta acender um cigarro, derruba o cigarro, pega o cigarro, acende o cigarro, quase se queima. A Liana toma um copo de tequila, passa outro pro Luciano, que quase faz porquinho. À esta altura dos acontecimentos, já estou falando de duas namoradas, com nomes começados em “S” que muito me marcaram, e quase chorando. A Liana chora comigo e acaba a tequila. Sobra o absinto. Será? Bem, quem está na chuva é para se molhar. A Liana serve o absinto, eu tomo o primeiro gole e...desmaio. Caio direto no chão da sala, apagado. Ainda dá para ver a Liana colocando uma coberta por cima de mim. E a escuridão é completa. Um tempo depois, não sei se minutos, horas, dias, o Luciano me sacode. “Chico, Chico, para de roncar, a Liana não consegue dormir”. “Tá bom, tá bom”, balbucio, me virando de lado. Apago de novo. E lá vem o Luciano me sacudir. “Chico, tu tá roncando mais ainda. A Liana tá desesperada”, informa. “Tá bom, tá bom”, digo. Durmo de novo. E sem noção de horas, acordo sendo sacudido novamente. “Porra, Luciano, deixa eu dormir”, pego. “Chico, tu que não consegue deixar a gente dormir. O apartamento todo está tremendo. A Liana pediu pra tu ir embora”, avisa. Lá fora continua a chuva, mas já é de manhã. “Tá chovendo”, digo. “Chico, vai embora”, berra a Liana do quarto. “Eu não consigo dormir”, fala ela. “Tá bom”, concordo, levantando e vendo tudo girar. A cabeça parece que vai explodir. O cérebro parece estar solto. Coloco os tênis e saio na chuva. Como estou na Cavalhada, decido ir caminhando até o Cristal na chuva. No meio do caminho aparece um ônibus. Embarco nele. Chego em casa e vou direto pra cama. Acordo à uma da tarde, me sentindo renovado. Vou ao banheiro fazer a barba e tomar banho. E me olho no espelho. A Liana e o Luciano maquiaram o meu rosto. Batom, lápis nos olhos, rímel, blush. “Filhos da puta...”

quarta-feira, 17 de julho de 2013

“Malvinas ou Falklands”

Quando digo que sou tímido, as pessoas começam a rir quase freneticamente, além de duvidar de minha afirmação. “Tá bom Chico, tu é tímido, sei...”, costumo escutar, principalmente das mulheres, em tom irônico. Eu comecei a oitava série quieto, muito quieto, sempre com um livro embaixo do braço. Muitas vezes nem saia para o recreio. Ficava lá, sentado, lendo alguma coisa. No começo do ano, naquelas perguntas dos professores para conhecer os alunos, eles perguntavam: “Qual a profissão que você pretende seguir?”. Eu respondia sempre Jornalismo, e voltava para a minha concha. Então inicia a Guerra das Malvinas, eu comprava os jornais todos os dias para acompanhar o desenrolar do conflito. Correio do Povo, Folha da Tarde, Zero Hora, a Veja. Fiz uma pasta com os recortes, e ficava lá nas aulas, lendo sobre a guerra, ao lado de livros sobre a II Guerra, a Revolução Russa e a Revolução Francesa. Aí chega a professora de História, Bela Igór, e sai perguntando a cada aluno o que ele achava da Guerra das Malvinas e quem estava certo? A Inglaterra ou a Argentina. E vem chegando a minha vez de responder, mas não quero. Suo frio. “Francisco, qual a tua posição sobre o conflito?”. Eu não quero responder, não quero expor minha preferência pelos ingleses, ainda mais que muitos colegas, pela proximidade, por vivermos numa Ditadura, achavam que os hermanos é que deveriam dominar o arquipélago. “Não quero falar”, digo, decidido, depois de balançar a cabeça, desesperado. “Mas tu tens de falar”, ordena a professora. “Não”, insisto. “Tu queres ser jornalista, e não fala, não quer dar tua opinião? Jornalista tem de falar”, provoca ela. Mantenho-me calado. Não levo zero porque não vale nota. Mas ela se dirige à minha classe, pega meus livros. “Estás lendo sobre a Revolução Francesa?”, pergunta Bela Igór, com um sotaque estranho, que depois descubro ser húngaro. “Sim”. “Então tens uma missão para daqui a uma semana”. Arregalo os olhos por trás das lentes grossas do óculos. “Dará uma aula sobre a Queda da Bastilha para teus colegas, 15, 20 minutos. Valerá metade da tua nota no bimestre”, avisa. Me fudi. Falar em público? Na semana seguinte, me borro todo, mas consigo falar sobre 1792, mesmo que metade das palavras sejam engolidas pela minha gagueira, meu pânico, minha péssima dicção. O problema é que a professora Bela Igór abriu o cofre. Começo a falar sem parar, passo a bagunçar, e mesmo ainda dono de uma forte timidez, consigo esquecer que ela existe.

“Professores”

1985. Último ano do segundo grau no Colégio Paula Soares, no turno da noite. O professor Chico, meu xará, tinha uma matéria nada agradável para dar, Física. Mas seu jeitão alegre fazia com que a garotada se divertisse à beça. Ninguém faltava às aulas, mesmo que dois dos quatro períodos fossem ministrados na sexta-feira, antes do último período, que era a aula de História com a professora Aline, uma loirinha linda, dona de um sorriso envergonhado, sempre com calças deandê, aquelas zebradas preta e branca. Física e História, entre 20h e 22h45min, ou seja, prato cheio para a turma matar aula e se mandar pra praça na Fernando Machado beber vinho de garrafão e fumar um baseado. E não é que a galera não matava as aulas? Graças à empatia dos dois professores. E quando a aula do Chico terminava, ele ficava ali, fazendo hora com seus livros, até entrar a Aline. Ele levantava, cedia o lugar. Ela abaixava os olhos, ficava rubra de vergonha, e nos dez primeiros minutos, gaguejava sem parar. Uma dessas sextas-feira, o Chico espera ela chegar à porta, levanta, vai em direção à Aline e tromba com ela, fazendo com que o material dela caia no chão. Furtivamente, acha ele, coloca um pedaço de papel na mão dela, e sai correndo da sala. Quem não estava distraído, viu. A Aline senta, e ingenuamente abre o bilhete ali, em frente aos cerca de 25 alunos. E fica da cor da camisa do Bayern Munique. “Profe, o que tá escrito aí”, perguntamos, curiosos, mas sacando o que seria. O meu xará Chico havia se declarado, de uma forma antiga, mas estávamos em 1985. Na aula seguinte, ela entra na aula, ele sai. Eles se olham. A turma saca tudo, bate palmas. Sim, eles começam a namorar e antes do final do ano estão casados.

“Poltergeist”

Hoje sou um chato no cinema, exijo silêncio total, não gosto nem do som de gente comendo pipoca. E dependendo do volume da conversa, quase saio no tapa se peço silêncio e não me atendem. Pois estamos em 1982, último dia de aula. Aprovado e encerrando o primeiro grau, eu e alguns colegas da famigerada turma 803 decidimos ir ao Cine Vitória assistir ao terror Poltergeist. Rosane, Alexandre, Ana Maria, Claudia Ferrugem, Liz Peixoto, Marialba, Gisele. Sentamos no mezanino, munidos de pipoca, Coca-Cola, bolachas recheadas e balas de goma. O filme começa, e a gente fica em silêncio. Até a pequena Heather O'Rourke ser levada para dentro da televisão pelos espíritos brincalhões. Uma das gurias berra de pavor, e a gente começa a rir. E na sequência alguém atira uma bala na cabeça de outro, e assim inicia-se uma guerra de comida dentro do cinema. Um cara, sentado lá embaixo, se vira e pede silêncio. Como resposta, ouve uma sonora vaia e um banho de pipoca. A turma não sossega um minuto, berrando, jogando comida, até aparecer o lanterninha e nos ameaçar de expulsão. Ficamos quietos, o funcionário do cinema sai, e voltamos à bagunça. O cara lá embaixo protesta de novo, ameaça subir ao mezanino, mas desiste e vai embora. Aparece de novo o lanterninha, e paramos os arremessos de comida. Mas não calamos a boca até o final do Poltergeist. A bagunça foi tanta, que foi o suficiente por todo o resto da vida. E pelas próximas gerações.

domingo, 14 de julho de 2013

“Rabino”

Há alguns anos, tínhamos uma colega no Correio do Povo, que apesar de jornalista, tinha um conhecimento meio limitado, assim como um dia a tenista Sharapova chocou ao afirmar nunca ter ouvido falar em Sigmund Freud. Pois estamos em frente ao jornal, 11 da noite, esperando os carros do jornal que levavam e levam a galera da redação para casa. Nisso passa um rabino bem em frente à Caldas Júnior. Vamos combinar que não é comum isso acontecer, ainda mais àquela hora da noite. Olho pros colegas, e comento: “Gente, um rabino”. O pessoal observa aquela figura, indo em direção Praça da Alfândega. E a colega, bela e inculta, começa a rir, quase histérica. “O que foi?”, pergunto. “Ai, Chico, não diz isso”, pede ela. “Isso o quê? Um rabino?”. “Ai, Chico, para, para”, repete ela. “Mas o que houve? Não é preconceito, é uma constatação. Ali vai um rabino”, insisto. “Para, para de falar palavrão”, implora a guria. “Que palavrão?”. “Tu fica aí dizendo rabino”. “Sim, rabino”. “Chico, para”. Não estou entendendo nada. “O que tem de rabino de palavrão?” “Ai, Chico, como tu é bobo, rabino é de rabo, de bunda, para...” Um colega corrige ela: “Não, guria, tu não sabe o que é rabino?”. “Mas tu também, parem com isso”, explode ela. Não acreditamos no que escutamos. Digo: “Guria, rabino é como um padre, só que judeu”. “Ah tá, vai insistir...”, diz ela, balançando as mãos, como se desistisse de ouvir minhas “baixarias”.

“Ereção”

O Eduardo gamou na professora de Ciências na sétima série no Paula Soares. A Cristina era uma loira alta, fofinha e de um humor refinado. E tri parceira dos alunos. Com 13 anos, o guri leu os sinais errados. E os hormônios explodindo. Final de bimestre e prova oral. Os alunos tinham de ficar em frente à professora, lá na frente, respondendo as perguntas. Chegou a vez dele, sempre tirando notas altas, moleza aquela prova sobre mitocôndrias e similares. Vestia abrigo Adidas azul-marinho. “Eduardo, a primeira questão é...”, fala a Cristina. E o pau do Eduardo começa a ficar duro por baixo da calça de abrigo. E o guri não consegue esconder. As gurias da turma dão risadas abafadas pelas mãos. E ele começa a gaguejar. A Cristina faz de conta que nada acontece, mas não esconde o sorriso no canto dos lábios. E o Eduardo parado ali, de ferramenta içada, vermelho como um tomate, gaguejando e errando uma resposta atrás da outra. Ele olha pro pinto, passa a mão para ver se fica mole, mas não consegue. Desiste, e volta para seu lugar de cabeça baixa, a de cima, reprovado.

“A professora”

A Lívia era a professora de Biologia no Paula Soares, mas quisesse seria miss, de tão linda e sexy. Os meninos suspiravam quando ela passava pelos corredores, 1,75m, cabelos longos, negros e lisos, que batiam quase na cintura, boca carnuda e vermelha, seios grandes e sempre de saltos altos, calças apertadas. E o que acontece? O Raul apaixona-se perdidamente por ela. O Raul era um alemão alto para seus 15 anos, falante e leitor de Bukowski e Jack Kerouack, influência de um primo, conhecido escritor e jornalista. Ele precisa extravasar este amor, talvez a professora de seus 28, 29 anos deixe o marido, um carinha careca, barbudo e de seus 40 anos, por ele. Mas como? Bem, ele respira fundo e se declara para ela na entrada do colégio. A Lívia ri daquela paixão, mas não é uma risada de deboche, é meio de espanto e de gratidão por se ver admirada pelo adolescente. E passa a mão na cabeça dele, longos cabelos loiros. “Raul, tu é uma graça”, elogia ela. E o Raul vê isso como um sinal de que ela também gosta dele. E o que o alemão faz? Escreve uma longa carta declarando-se e manda para a Lívia, junto com um enorme buquê de rosas vermelhas. Então ele cruzou a linha e foi reprovado. Na aula seguinte, a professora gostosa faz a chamada, levanta, abre a carta e começa: “Pessoal, é muito legal receber uma carta de amor, flores, nós mulheres adoramos. Mas existem limites. Eu sou uma mulher de quase 30 anos, e não posso responder as expectativas de um garoto de 15 anos. Um aluno meu, colega de vocês, quer namorar comigo, mas é impossível. E sou casada. Bem casada. Mas digo para este doce de garoto que com este jeito meigo ele será muito feliz no amor”, encerra. A Lívia não diz o nome do santo, mas todo mundo sabe quem é. O Raul está ali, vermelho, quase explodindo de vergonha. E fato raro para estudantes de 15 anos: ninguém tira sarro da cara dele. No final da aula, porém, alguns colegas vão até o Raul, e dão tapas na costa dele. “Cara, legal o que tu fez, e o que ela disse. Ela é muito linda mesmo, e o modo como ela falou explica porque tu se apaixonou por ela”, diz a colega punk Marcia.

“Piercing”

Estou no elevador, e noto que uma senhora fica me observando. Parece admirada. Mesmo com minha timidez galopante, falo com ela. “Não sou nada bonito para a senhora ficar assim, me olhando”, digo. “Meu filho, estou aqui olhando este piercing no teu nariz”, responde ela. “E...” “Como tu pode usar isso? Não doeu?”, pergunta ela. “Um pouco”. “Não entendo vocês. Colocar um troço desses, sentir dor. E como deixam tu trabalhar assim?”. “Minha senhora, doeu uns cinco segundos quando coloquei. E estamos no século XXI. Eu acho muito legal”, garanto. “Ah, eu estou numa batalha pois meu filho e minha filha querem usar piercing, e eu tenho até ameaçado eles”, jura a senhorinha. “Mas por quê? Deixa eles serem felizes”, peço. O elevador chega ao térreo e ela me pega pelo braço: “A minha filha, se eu deixar colocar o piercing, o próximo passo será pintar o cabelo de verde ou vermelho. E não posso deixar isso acontecer”, garante. “Minha senhora, se a sua filha pintar o cabelo e colocar piercing, eu caso com ela”, provoco. “Tá bom, não posso contar contigo para tentar convencer minha filha do contrário, né?”, fica braba. Eu nem sei quem é a filha dela, nada. Nunca a vi na vida. E saio dali antes que ela me bata com o guarda-chuva na cabeça.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

“Vermelho”

Até hoje não sei o quanto é lenda ou verdade. Meu pai me contava sempre da primeira vez em que ele esteve em um Grenal, lá em meados dos anos 1950. O velho Chicão era de Livramento e torcedor por lá, na Fronteira, do Grêmio Santanense, cujas cores eram o vermelho e o branco. Mas pelas ondas do rádio, ele torcia freneticamente pelo Grêmio. E garante que na sua cabeça adolescente que as cores do Grêmio FBPA eram as mesmas do de sua terra natal. E ele decide vir à Capital ver o clássico num final de semana. Então chega no Olímpico, inverno, frio, casacão. Logo no início, ele descobre as cores reais do time de seu coração. Só que por baixo do casacão, usa uma blusa vermelha com o distintivo do Grêmio Santanense. E no meio do clássico, um lance perigoso e ele vibra, pula...e o casaco abre, mostrando o que veste por baixo, para indignação da arquibancada. E ele leva uma laranja na cabeça, e na sequência um saco de mijo nas costas. “Ô negão colorado, tu errou de lado”, grita um torcedor. “Sou gremista, sou gremista”, garante o Chicão, levantando as mãos, como pedindo desculpas. Ele é cercado, e jura que é do Interior, e que por isso não sabia as cores reais do Grêmio. É perdoado, mas obrigado a tirar o blusão. Que é queimado ali mesmo.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

"Celular"

Há alguns anos, uma repórter do Correio do Povo casou e era apanhada todos os dias em frente ao prédio do jornal, na Caldas Júnior. Mas com o tempo, essas gentilezas do carinha foram escasseando. A guria, no auge da beleza de seus 20 e poucos anos, recebia olhares gulosos dos colegas. E um dos repórteres, um dia, saindo pra ir pra casa, viu a menina em frente ao prédio. Chovia, e ela pensava em pegar um táxi. Ele abriu a porta do carro e disse pra ela: “Entra”. “Não, não posso”. “Deixa de ser boba, somos colegas. Tu mora aonde?” “Em Petrópolis”. “Te levo”, diz ele. “Não precisa”. “Eu insisto”, A chuva aumenta e ela desiste de argumentar. E é deixada incólume em frente ao seu prédio. As caronas passaram a ser quase diárias. No Natal, a guria ganhou um celular de presente do maridão. E mal sabia lidar com aquele aparelho parecido com um tijolo. Atendia as ligações do marido, e atirava o troço dentro da bolsa de qualquer jeito. E o cara ligava várias vezes ao dia, mas nada de buscá-la, e o coleguinha a levando em casa, E as coisas começaram a esquentar entre os dois jornalistas. Escapadas no meio da tarde para algum motel. Até um dia em que estavam os dois no maior amasso dentro do carro, e o telefone dela toca. A guria leva minutos para encontrar o bicho dentro da bolsa, atende e é o marido. “Onde tu está, amor?” “Estou no ônibus. Logo chego em casa”, mente a guria. “Te espero”, diz o marido. “Já chego”, continua ela, “beijo, te amo”, e aperta impaciente uma tecla no celular, e atira dentro da bolsa. Só que ela não apertou a tecla certa, e o cara, em casa, continua a escutar vozes. A da mulher e a de um cara. E gemidos. E promessas de “ah, vou me separar dele”, “me chupa”, “pega minhas tetas”, “vou gozar”...Meia-hora depois, a guria chega em casa, e encontra o marido aos berros, arrasado. E conta o que ouviu. Ela não nega, mas garante que foi um erro, que vai acabar com o amante, que o ama (o marido). Ela realiza o prometido, sai do jornal, mas o cara ficou sempre com um pé atrás, e meses depois pede a separação. A guria acaba se mudando para outra cidade.

“Lixeira”

A redação do Correio do Povo estava silenciosa. Sexta-feira à noite, dois jornais para fechar, o de sábado e o de domingo. Todo mundo cansado, louco pra ir embora. Aí veio uma bomba pro Possas. Uma bela colega por quem ele nutria uma paixão platônica informa que é seu último dia de jornal, que vai trabalhar na Zero Hora. E o Possas odeia a RBS, pois seu sonho maior era trabalhar lá, mas nunca recebeu o convite. Aí a guria vem se despedindo de todo mundo e chega no Adinho. Que ficou puto da vida. “Tchau Possas”, diz a guria, dando o rosto para receber três beijinhos. Mas em troca: “Vai tarde. Sai daqui, some da minha frente. Traidora”, berra ele. A menina ficou ali, de pé, parada, envergonhada em frente aos colegas, cerca de umas 50 pessoas. E o Possas continuou o discurso anti-RBS, aos berros. “Empresa de merda, quero que todo mundo lá exploda...” E a insistência nos berros irritou o resto da redação, querendo se concentrar nas suas matérias. “Cala a boca”, “fica quieto” e ele dando discurso. Então eu e o Serginho Schüeller pegamos o Possas pelos braços, levantamos e o colocamos de cabeça para baixo numa daquelas lixeiras enormes que havia na redação, cerca de 1,60m. Ele ficou com as pontinhas dos pés para fora, se debatendo, na tentativa de sair, e quando conseguiu, trouxe junto à roupa e cabelos e barba copinhos de café, restos de pastelina e outras porcarias.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

"Trauma"

Unisinos, 1990. Lá estou eu sentadinho no meu lugar na aula de jornalismo do Odon Rodrigues, quando entra um aluno novo na sala. E o pior. Conheço ele de outras paragens, e não são boas lembranças. O carinha foi meu colega no Colégio Paula Soares, e era da turma dos marginais, e costumava praticar bullying comigo e outros nerds fracotes lá pela quarta, quinta séries. Sim, um dia fui fracote, quatro olhos e completamente medroso. Perfil perfeito para ter lanche, material escolar, dinheiro e outros objetos roubados, além de levar surras no recreio ou na saída da aula. Pois bem, o tal carinha senta na cadeira ao lado da minha, e eu me cago todo. O nome dele é Rogério, e ele fica me olhando de canto de olho. Me reconheceu, e eu me apavoro, mesmo que tenha crescido uns 40 centímetros, ter ganhado uns quilos a mais, à época músculos e não gordura, e não usar mais óculos. Será que vou apanhar ali mesmo, ser aliviado de algum material universitário? "Cara", diz ele, tocando no meu ombro. Eu me encolho em meu lugar. "Cara", repete o Rogério. "Eu te conheço", afirma ele. "Não, não sei quem tu é", garanto. "Bah, tu estudou no Paula Soares, né?!". Nego. "O teu nome, o teu nome....", diz ele, tentando lembrar. Eu quieto, com medo. "Lembrei, tu é o Izidro". Deu, tô morto. "Cara, que legal, somos agora colegas de jornalismo", vibra ele. Eu não acho legal. Demonstro isso com uma careta. "Cara, o que tá acontecendo?" Perco a paciência. "Porra, véio, não vou com a tua cara. Tu é um baita filho da puta". O carinha estranha, se assusta com minha reação. "O que eu fiz?". Acabo contando os suplícios que passei no colégio, anos antes, nas mãos da turma da Bronze, da turma da Matriz...e passo a evitar o Rogério, até que somos obrigados a fazer um trabalho juntos. E o cara acaba se tornando grande amigo meu. Afinal, são outros tempos, e a gente não era mais piá. Agora faz um tempo que não vejo o Grilo, figura carimbada no Zelig, e também amigo do Pedro Dreher e do Rodrigo Vizzotto. Ô mundinho pequeno.

“Porteiro”

Há um tempo, todos os sábados à tardinha eu ia ao GNC Moinhos ver algum filme. Pegava o T3 aqui na esquina de casa e descia lá no Parcão. E numa dessas vezes, um senhorzinho negro, para do meu lado, e pergunta: “Tudo bem?” “Sim”, tudo bem”, respondo. “Tu é o porteiro daquele prédio em frente ao Parcão, né?” “Não”, garanto. “Tu é sim, passo sempre lá e tu está sempre no prédio”, insiste ele. “Me desculpe, mas o senhor está enganado”, digo. “Não, é tu mesmo. É tu o porteiro, não sei porque está negando”, continua o senhorzinho. “Não estou negando nada”, já começando a me irritar. Nisso vem o ônibus, e o papo termina, Pois na semana seguinte, mesmo horário e lá vem o velho. “Indo pro trabalho?”. “Meu senhor, o senhor me confundiu com outro negão”, falo. Ele me olha e dispara: “Não é vergonha nenhuma ser porteiro”. “Meu amigo, sou jornalista, escritor e estou indo ao cinema”, revelo. “Tsc, tsc, sei, sei”, balança a cabeça negativamente, como se eu estivesse mentindo, delirando. Desisto, e o T3 me salva de novo. Pois na semana seguinte, antes de sair de casa separo um de meus livros, duas Carta Capilé, onde escrevia sobre cinema, cópia de uma reportagem que saiu sobre um livro meu no Donna, escrita pela Patricia Rocha, e umas matérias assinadas por mim no Correio do Povo. E para não perder o tiozinho na parada, vou meia-hora antes, e não saio de lá até ele aparecer. E lá vem ele, pontual. Antes que abra a boca para falar “e aí porteiro”, alcanço uma sacolinha com todo o material. “Pro senhor”. “O que é?” “Pro senhor”, e não dou mais papo. O ônibus chega, embarcamos, e minutos depois de viagem, ele toca meu ombro. “É você mesmo nesta foto do livro?”. Ah, santa paciência. “Sim”, respondo, tentando não explodir. “Bah, meu rapaz, tu não é mesmo o porteiro. Sabe como é, né, negão, né... Posso ficar pra mim?” “Sim, é pro senhor levar pra casa e ler e ver que negão também sabe ler e escrever”, brinco. Parei de ir ao Moinhos aos sábados, mas às vezes cruzo com o senhorzinho pela rua, e ele não fala mais comigo, só me cumprimenta com a cabeça.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

“Insatisfeito”

Encontro meu amigo Ricardo, fotógrafo. “Chico, por que nós homens, somos eternos insatisfeitos?” “Mas o que houve, Ricardo?” O Ricardo conta que estava com uma namorada que era um sonho, tudo o que ele sempre imaginara. Carinhosa, dedicada, preocupada com ele. Ligava todos os dias, queria saber da saúde dele, preparava jantinhas, cuidava dele quando caia doente. E o Ricardo não suportava mais. “Me irrita o jeito dela. Quero algo caliente”. “Tá, mas o sexo não é bom?”, pergunto. “Até é, mas falta algo, se é que me entende!”. Putz, o pior que entendo. “Senta aí, Ricardo”. O Ricardo larga a câmera do lado. “Cara, parece que a gente gosta de sofrer. Daquela mulher que nos trata mal, que quando a gente liga, sai berrando o que queremos...’Que que tu quer Chico, agora não posso’!”, digo. “Isso, aquela que bate o telefone na nossa cara, que tá sempre ‘ocupada’, que tem ataques histéricos, de ciúmes, que nos ignora. Mas quando a gente vai pra cama, é uma doideira”, concorda o Ricardo. “Ricardo, o que posso dizer, bem, o ser humano é um masoquista”. “Chico, não dizem que as mulheres curtem mesmo caras canalhas? A gente não está atrás. Homem é que nem cachorro, gosta de ser acorrentado. Vou terminar com ela”, garante o Ricardo, levantando, pegando a máquina fotográfica e voltando ao trabalho.

“Consultório - Final”

Tinha outro encontro na sexta-feira. Como não tinha mais pílulas, passei no consultório. Desta vez, ele não me deu gratuitamente, mas sim uma receita. E o troço era caro pra caramba. Mas segurança. Então comprei uma pílula, quase 100 reais. Na sexta-feira, ah, não ia dar mole pro azar, então após jantarmos, enfiei todo o viagra goela abaixo, enquanto escovava os dentes. Fomos pra cama, começamos a nos beijar, e opa, lá vem ele...lá vem ele. E a guria: “Ah, Chico, hoje não quero transar, quero só ficar deitada, abraçadinha, ouvindo tuas histórias, e escutando música bem baixinho”. Eu não acredito. O pau latejando, e ela decide namorar. E eu ali, não iria desperdiçar aquela pílula que havia me custado uma nota preta. Fico puto da cara, reclamo que quero transar, mas sem forçar nada. Faço um beiço. “Tu não vai ficar brabo, né?”, pergunta ela. “Vou”, digo, sem revelar o motivo real. Viro pro lado, chateado. “Ah, cara, se tu vai ficar assim...” “Vou” “Eu só quero namorar hoje”. “Eu quero transar”. “Então pode ir embora, que não vai rolar”, diz ela, se levantando, e jogando as roupas na minha cara. “Te manda, machista filho da puta”. “Mas...” “Sai fora, e não volta mais”, decreta ela. Obedeço. Me arrumo, e vou saindo. E o pau, lá duro. “Porra, te xingo, te mando embora e tu de pau duro?” Mesmo assim, ela não estava nos dias dela. Tive de ir embora e ver um filme pornô em casa.

“Exemplo”

Na sala de espera do otorrino, sentado e lendo meu livro de guerra do momento, aguardando ser atendido, quando entra uma mãe, seus 30 e poucos anos, acompanhada da filha, 3, 4 anos no máximo. A mulher identifica-se para a secretária, e senta ao lado da menina, lindinha, grandes olhos. A guriazinha levanta e pega na estande de revistas, repleta de Caras, uma Mônica, os olhos brilhando de alegria. Volta a sentar ao lado da mamãe, e pede de um jeito meigo: “Mãe, lê pra mim?”. Observo a cena angelical, feliz com o interesse da menina na revistinha. E um segundo depois, fico perplexo. A mãe pega a revista, olha, sacode a cabeça negativamente e solta: “Guria, me deixa em paz, tu sabe que não suporto ler. Larga esta porcaria lá e não me incomoda mais”. Minha nossa! A menininha olha pra mãe, segura o choro, afinal está na frente de estranhos – além de mim mais duas pessoas esperavam atendimento -, tenta fazer com que a mulher pegue de novo a revista. “Fulaninha, não me chateia!!!”. Resta à menina devolver a revista pra estande, e ficar bem quieta. Penso em me intrometer, mas já sei o que pode acontecer, ouvir algo do tipo “vai cuidar de sua vida”. Baita estímulo pra leitura deu esta mulher pra filha....

sábado, 6 de julho de 2013

“Consultório Parte 3”

Escondo a caixinha no fundo da mochila. Será que vou precisar usá-la? Ih, não sei. Chego em casa e ligo pra guria. Marcamos de nos ver sábado à noite na casa dela. E lá vou eu. A orientação é tomar o remédio 20 minutos antes da relação. Como saímos pra jantar, vou esperar. Talvez nem precise. Quando voltamos pra casa dela, ela vai tomar banho. Fico ali, sentado ouvindo música. Depois vou eu. No banheiro, decido tomar o viagra, que estava no bolso da calça. Escovo os dentes, respiro fundo, e lá vamos, né. Sento na cama e ela já me beija. Lá embaixo nada, nada. Começo as preliminares, ela empurra minha cabeça com as duas mãos, e de repente algo acontece. Muito forte, muito forte. A guria, primeiro leva um susto ao ver o volume, e depois solta um “uhu”. Achei estranho, porém...não parei mais, até a guria pedir água. “Chico, não aguento mais. Tu não cansa?” E lá ia eu de novo, até ela dizer que já estava doendo. Paramos e tentamos dormir. Como tenho insônia, não durmo e fico ali, escutando o ronronar dela. E o pau duro. A guria acorda, me abraça, toca nele e leva um susto. “Ainda? Mas como?”. Claro que eu não iria me entregar. E vamos de novo. Já em casa no dia seguinte, nada de o bicho querer dormir. E no terceiro dia, a ereção continuava lá. Até que cedeu...liguei pro médico, que explicou: “Como tu não precisava, o organismo meio que ficou inflacionado. Por isso que algumas pessoas têm ataque cardíaco ou outros efeitos colaterais. Se ainda se sentir inseguro com a menina, toma metade, um quarto, mas nunca todo”, ensina.

quinta-feira, 4 de julho de 2013

“Consultório Parte 2”

Entro no consultório do dr. Cláudio, especialista em disfunção erétil. Pô, tou saindo com uma gatinha, e não consigo ter uma ereção sequer. “Qual a idade dela?”, quer saber o médico. “Uns 20 e pouquinhos”. “E nada?” “Nada”. “Mas você deseja ela?” “Sim, e muito”. “Tu fica nervoso?” “Sim, e muito”. Então ele vai explicando que é normal isso acontecer. Com caras de qualquer idade, a gente encontra alguém que gosta muito, que quer muito. Aí na hora dos finalmente é como se fossemos cobrar um pênalti no Maracanã com 100 mil pessoas olhando, e é uma decisão. “Vai bater o nervosismo”, acrescenta ele, mas mesmo assim me pede uns exames. Lá vou eu pro Mãe de Deus, faço os exames e volto uma semana depois. “Olha, tá tudo normal contigo. Na realidade, tu tens testosterona para dar e vender. Teu caso é psicológico e tu tá entupido de antidepressivo no sangue”, informa. “Tu tem de relaxar, conversar com a menina. Vai ver que tudo dará certo”, continua. Levanta e se dirige ao armário. “Mas mesmo assim leva isto aqui para garantir”, completa, me entregando uma caixa contendo um viagra. (continua)

“Perdidos”

Naquele sábado eu faria uma surpresa para a minha então namorada Sandra. Ela queria colocar um piercing no nariz, mas não tinha coragem. Comprei a joia, liguei prum tatuador, que faria a pequena operação, e aproveitaria para fazer nova tattoo. Combinado o horário, pergunto o endereço, e ele me diz: “Rua Fonseca Ramos, na Medianeira”. Memorizo, e me toco para fazer a matéria de apresentação da Fórmula Um, que terá a participação de um tal piloto brasileiro Felipe Massa nas primeiras fileiras. Felipe Massa, Felipe Massa, Felipe Massa...final de tarde, busco a Sandra e nos mandamos para a Medianeira. Ela nem imagina aonde está indo. Descemos do lotação na avenida Carlos Barbosa, e saio a procurar a rua...Felipe Massa. O relógio marca 18h, e nós dois damos mil voltas pelo bairro, e nada de achar tal rua. Perguntamos pros transeuntes onde fica tal rua e ninguém sabe. Como não carregamos celular, o jeito é bater mais pernas e perguntar. Escurece, e encontramos dois guris jogando bola perto do Olímpico. Perguntamos pela rua. “Moço, o Felipe Massa não é o piloto da Fórmula Um?”. Ih, na hora me cai a ficha. O nome do Massa estava no meu subconsciente. Então tenho de estragar a surpresa, e passar a perguntar para as pessoas onde fica o ateliê do tatuador...”Ah, o Elias Tattoo fica na Rua Fonseca Ramos”, nos informam numa padaria. Enfim chegamos, e a guria, cansada, pois estava de salto alto, ainda teve o nariz furado.

“A irmã - Final”

Passou uma semana, e no sábado à tarde, após eu sair do jornal, iríamos nos encontrar para discutir a mudança. Chego no restaurante combinado e nada da Julia. Ligo pro celular dela, e desligado. Espero uns 15 minutos e ligo de novo. Silêncio. E foi assim durante toda a tarde. No começo da noite, já desistindo, penso que a Julia deve ter se mandado sem mim, mesmo. Então a campainha de meu apê toca. Abro a porta. É ela, uma cara de tristeza. “Chico”. “Julia, onde tu andava? Passei a tarde tentando falar contigo”.”Eu estava pensando...” “E...” “Não quero mais me mudar contigo, nem casar contigo...” “Mas por quê?” “Chico, eu não confio em ti. Tu tem uma cara de safado. Eu sei que tu vai me trocar por outra mulher, vai me abandonar numa cidade estranha por uma mulher linda”, desabafa. “Tu está escutando o que tu está dizendo? Mulher linda? Tu já te viu no espelho? Tu tem noção da tua beleza, do que tu provoca nos carinhas?” “Ah, para, sou normal, nada de mais”. “Julia, tu é doidinha, né”. “Tu vai se cansar de mim. E gosto de pagode, e tu mesmo diz que detesta isso”. Tentei beijá-la, e ela tirou o rosto. “Não. Não faz isso”, pede. A Julia realmente não tinha noção da beleza dela. E se tinha, até se incomodava com aquilo. Tudo para a Julia sempre era fácil, e ela não queria aquilo. Então pede que eu largue tudo em Porto Alegre por ela. E eu topo. Viu, tudo muito fácil. Ao mesmo tempo, tinha medo de que eu me cansasse de sua beleza e sumisse ao dobrar a esquina para comprar cigarros. Mesmo que não fumasse. Acabei deixando-a ir, e não lutei por ela.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

“Café com leite”

Lá na década de 1990, eu estava trabalhando na Band AM, e como produtor, fui cobrir um evento na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Aguardava na frente do prédio, esperando a guria que iria fazer a reportagem. Ao meu lado o operador, R. E a uns cinco metros da gente aparece um casal, ele negro e a ela branca, abraçados e começam a se beijar. O operador R me dá um tapa no ombro e fala: “Mas olha só aquilo, que pouca vergonha”. “Eles estão apenas se beijando”, constato. “Ela tá beijando um negro, mas se fosse a minha filha, eu enchia de porrada. Não se dá o respeito”, ameaça. “Tu não notou nada?”, pergunto pra ele, que tá fazendo uma declaração racista prum negro. “O quê?” “Cara, tu tá me ofendendo, eu sou negro, né”. “Ah, não, Chicão, tu é apenas café com leite”, diz ele, saindo pra fumar um cigarro. Quero ver se eu decidisse sair com a filha dele...

“A Irmã Parte 5”

Eu e a Julia começamos a sair. Eu todo bobo por passear com aquela guria linda, de mãos dadas pelo shopping. Eu saía do jornal e ia correndo encontrá-la no Praia de Belas. Alucinado. Até que uma noite escutei a proposta. “Quer fugir comigo?” Como assim, fugir? Para que se éramos dois adultos, eu uns 10 anos mais velho do que ela. A Julia que viesse morar comigo. Eu a faria gostar de rock, e até suportaria uns pagodes de vez em quando. Só que ela não queria mais ficar em Porto Alegre, não curtia o clima da cidade, o frio e a umidade no inverno, o calor sufocante no verão. Queria ir para Santa Catarina, Rio, Nordeste. Na hora, sem pensar muito, só pensando naquela deusa, topei. “Só deixa eu achar um emprego em alguma cidade, antes de ir, né”. Afinal, chegar em outro lugar de mãos abanando, e eu nem tinha uma grana guardada para iniciar nova vida. E nem ela, que queria largar a faculdade. “Eu quero ir logo” , disse ela, que fazia um beicinho como ninguém. Ah, eu iria mover montanhas para me mandar com ela, disse. “Só tem uma condição”, fala ela. Estava demorando. O que será? “Como vamos prum lugar quente, não quero que tu me proiba de usar biquini”. Olhando aquele corpão, eu penso que evidente que não. “Mas por quê?” “O meu ex-noivo e o carinha que eu namorei depois dele me proibiam de usar biquini ou sarongue. Não gostavam nem que eu dançasse. Eu odiava aquilo”, revelou ela. Também, com aquele corpo, os caras deviam morrer de ciúmes. Será que eu seria igual? (continua)

terça-feira, 2 de julho de 2013

“Cada um por si”

Final de tarde de um domingo nos anos 1980. Retornava de um jogo com um grupo de amigos, éramos uns 10 carinhas caminhando pela rua completamente vazia, no mais animado papo. O sinal fecha para nós, e paramos, esperando a liberação. Finalmente o sinal vermelho, retomamos o passo, quando um carro – e não me adianta perguntar qual carro, pois quem acompanha minhas histórias sabe que não tenho a mínima ideia de marcas – quase atropela aquele grupo enorme. No reflexo, o Fernando enfia o pé na porta do carro e ainda dispara um furioso “filho da puta!”. Putz, na mesma hora o carro dá uma baita freada e sai de dentro dele um alemão enorme, segurando um revólver 38, que aponta para a gurizada. “Quem chutou meu carro, quem é o filho da puta aqui?”, berrava o cara, alucinado. Deu, nos fodemos, vamos levar bala, pensamos. Aí alguém, não recordo, deu uma de alcaguete, apontando o dedo pro Fernando. E o resto de nós também não foi muito fiel, ao se afastar dele, que ficou ali, sozinho, no meio da rua. O dono do carro, claro que não queria atirar, queria apenas dar um susto. Conseguiu o seu objetivo, e vimos que não dava para contar com o apoio de ninguém. Nada do slogan dos três mosqueteiros, era mesmo “cada um por si”.