quarta-feira, 10 de julho de 2013

“Porteiro”

Há um tempo, todos os sábados à tardinha eu ia ao GNC Moinhos ver algum filme. Pegava o T3 aqui na esquina de casa e descia lá no Parcão. E numa dessas vezes, um senhorzinho negro, para do meu lado, e pergunta: “Tudo bem?” “Sim”, tudo bem”, respondo. “Tu é o porteiro daquele prédio em frente ao Parcão, né?” “Não”, garanto. “Tu é sim, passo sempre lá e tu está sempre no prédio”, insiste ele. “Me desculpe, mas o senhor está enganado”, digo. “Não, é tu mesmo. É tu o porteiro, não sei porque está negando”, continua o senhorzinho. “Não estou negando nada”, já começando a me irritar. Nisso vem o ônibus, e o papo termina, Pois na semana seguinte, mesmo horário e lá vem o velho. “Indo pro trabalho?”. “Meu senhor, o senhor me confundiu com outro negão”, falo. Ele me olha e dispara: “Não é vergonha nenhuma ser porteiro”. “Meu amigo, sou jornalista, escritor e estou indo ao cinema”, revelo. “Tsc, tsc, sei, sei”, balança a cabeça negativamente, como se eu estivesse mentindo, delirando. Desisto, e o T3 me salva de novo. Pois na semana seguinte, antes de sair de casa separo um de meus livros, duas Carta Capilé, onde escrevia sobre cinema, cópia de uma reportagem que saiu sobre um livro meu no Donna, escrita pela Patricia Rocha, e umas matérias assinadas por mim no Correio do Povo. E para não perder o tiozinho na parada, vou meia-hora antes, e não saio de lá até ele aparecer. E lá vem ele, pontual. Antes que abra a boca para falar “e aí porteiro”, alcanço uma sacolinha com todo o material. “Pro senhor”. “O que é?” “Pro senhor”, e não dou mais papo. O ônibus chega, embarcamos, e minutos depois de viagem, ele toca meu ombro. “É você mesmo nesta foto do livro?”. Ah, santa paciência. “Sim”, respondo, tentando não explodir. “Bah, meu rapaz, tu não é mesmo o porteiro. Sabe como é, né, negão, né... Posso ficar pra mim?” “Sim, é pro senhor levar pra casa e ler e ver que negão também sabe ler e escrever”, brinco. Parei de ir ao Moinhos aos sábados, mas às vezes cruzo com o senhorzinho pela rua, e ele não fala mais comigo, só me cumprimenta com a cabeça.

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