Guaibadas é uma homenagem a Porto Alegre e o rio/lago que o circunda, cidade em que se passa a maioria das histórias que vou contar aqui. Histórias que aconteceram comigo, com amigos e amigas, com conhecidos e desconhecidos. Alguns causos são hilários, outros apenas divertidos, muitos são tristes, outros não tem nada de especial, mas mesmo assim devem ganhar a luz do dia. Enfim, um olhar sobre o porto-alegrense e suas loucuras.
domingo, 28 de julho de 2013
"30 anos esta noite"
Adolescente, morava com minha mãe e minha irmã adotiva na rua Vasco Alves, ali perto do Gasômetro. E não teve jeito de convencer a dona Flora para que me deixasse ir à final da Taça Libertadores da América entre o Grêmio e o Peñarol no Olímpico, na gelada noite de 28 de julho de 1983. "É perigoso", disse ela, mesmo eu com o ingresso no bolso, presente de meu pai. Os dois haviam se separado um ano antes. Então a torcida era de que a televisão transmitisse a partida ao vivo para Porto Alegre. Àquela época, era pré-pay per view e tevê a cabo, as emissoras só colocavam o jogo no ar caso os estádios lotassem. Bem, a previsão era de um Olímpico lotado.
Em Montevidéu, uma semana antes, empate em 1 a 1 no mítico Estádio Centenário na partida de ida. O Grêmio saiu na frente com gol de Tita, e os uruguaios igualaram com o cracaço centroavante Fernando Morena. Então, chegou o grande dia no Olímpico. Frio de 5 graus na capital gaúcha, e público de 73.093 pessoas. A decisão, ufa, teria transmissão para Porto Alegre. E eu em frente a televisão de 14 polegadas, colorida naquelas, muito chuvisco, fantasmas, a antena com bombril. Nervosismo à flor da pele.
Logo aos 9 minutos, o Grêmio saiu na frente com gol do centroavante Caio depois de cruzamento da esquerda do meia Osvaldo. Foguetório na cidade, pulo enlouquecido pela sala do pequeno apartamento. A mãe e minha irmã no quarto, alheias àquela loucura. Vinte e cinco minutos da etapa final, e uma ducha de água fria na gremistada, quando Fernando Morena, sempre ele, empata numa violenta cabeçada à queima-roupa, sem chances para Mazarópi.
Não vai dar, penso. Os carboneros vão virar e ser campeões, ops, pentacampeões, pois haviam vencido um ano antes e também em 1960, 1961 e 1966, ano de meu nascimento. Me desespero. E seis minutos depois, o lance mágico. Coloco o jogo nos pés mágicos de Renato Portaluppi, o ponteiro-direito rebelde vindo de Bento Gonçalves, apenas 20 anos, e o centroavante César, ex-América-RJ e vindo do Benfica.
"Agi por intuição ao mandar aquele balão para a área uruguaia", lembrou Renato. Numa disputada jogada na ponta-direita, o atacante recebeu de Tarciso e foi cercado por dois adversários. Então levantou a bola e mandou uma bomba para a área do goleiro Fernández, que não tentou interceptar o lance. "Não vi o César na área. Apenas pensei que é dentro da área que as coisas se resolvem. Ali tudo pode acontecer", analisou o hoje técnico tricolor. "Foi um lance de gênio", garante o eterno ídolo, sem falsa modéstia.
E quem finalizou o lance de gênio foi César, que entrara em campo aos 18 minutos da etapa final no lugar de Caio. O incrível é que dias antes Sônia, a esposa do meia Tita, havia sonhado que César faria o gol do título e que o Grêmio seria campeão. "Eu acompanhava atentamente o Renato e o Tarciso encurralados na ponta-direita. E no momento em que o Renato deu o balão, corri para a área. Ela veio chegando, os caras olhando para cima e notei que não conseguiria alcançá-la com os pés. Aí decidi pular e enfiar a cabeça, mesmo com o pé do Olivera na minha frente", recorda. E você não teve medo de se machucar, pergunto. "Você já teve medo de fazer uma entrevista", devolve o César. "Já", confesso. "Pois eu não tive medo, pois queria ser campeão. Poderia ter a cara estourada, mas faria aquele gol", continua o ex-atacante. "Tenho muito orgulho de ter enfiado a cara naquela bola", afirma. Na comemoração do gol é possível ver César ser abraçado por Tita, que segundos depois lembra da profecia de Sônia, põe as mãos na cabeça e cai no choro.
A decisão ainda teria mais uns 15 minutos, duas expulsões, do uruguaio Ramos por agredir Mazarópi, e Renato por cair na provocação dos adversários. E finalmente o árbitro peruano Edison Perez apita o término do jogo, e solto o choro. Exatos 30 anos atrás, completados esta noite. No dia seguinte, chego no Colégio Paula Soares com um sorriso bobo na cara. Os colegas colorados desde 1981 já não infernizavam pelo Grêmio não ter um título do Brasileiro. E agora eu era campeão da América, e eles não eram. No Brasil, além do Grêmio, só o Santos, o Cruzeiro e o Flamengo possuíam tal honraria. O próximo passo era o Mundial, em Tóquio, em dezembro, na decisão com o alemão Hamburgo, mas esta é outra história.
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