Guaibadas é uma homenagem a Porto Alegre e o rio/lago que o circunda, cidade em que se passa a maioria das histórias que vou contar aqui. Histórias que aconteceram comigo, com amigos e amigas, com conhecidos e desconhecidos. Alguns causos são hilários, outros apenas divertidos, muitos são tristes, outros não tem nada de especial, mas mesmo assim devem ganhar a luz do dia. Enfim, um olhar sobre o porto-alegrense e suas loucuras.
terça-feira, 23 de julho de 2013
“Amigdalas”
Já fui acusado de xenofobia. Na oitava série, no Colégio Paula Soares, foi contratado um professor baiano, não recordo o nome, de Ciências, para o lugar da Melda, que ficou doente. Negro, magro, meia-altura, de óculos, ele foi logo tratando de impor restrições à turma 803. Silêncio extremo na aula, trabalhos em excesso, rigor no horário – não deixava ninguém atrasado entrar na sala, e não desperdiçava nenhum segundo com papo furado. A turma até aceitou quietinha. Mas a gente não resistia ao sotaque baiano do vivente. Arrastado. E ninguém perdoou quando ele soltou um “amiguidálassssss”. Risada geral. A Rosane Sant’Anna soltou uma gargalhada quase histérica, e a minha risada, se não era ribombante como hoje, estava sendo formada. E o Alexandre ria fininho. Puro deboche. Aí o João Inácio perguntou lá do fundão: “Como é mesmo, professor aquela coisa que fica na garganta?”. E ele caia direitinho: “Amiguidálassssss”. Quá, quá, quá...O professor ficava puto, e dê-lhe tema de casa em dobro pra galera. Na aula seguinte, o Alfredo: “Professor, aquela coisa na garganta...como mesmo que a gente chama?”. E o baiano: “Aamiguidálassssss”. A turma: quá, quá, quá....a Rosane acabou sendo apelidada Maria Risonha por ele. “Maria Risonha”, chamava ele. O Alexandre era o garoto sensível. Comigo a implicância era na gagueira. Com a Lúcia era a falta de feminilidade, e por aí em diante. Pronto, comprou guerra com todo mundo. Ele ficava de frente pro quadro negro, que é verde, de costas para a turma, e voavam papeizinhos, pedaços de giz, ouviam-se risadas abafadas, o João imitava o som de cães e gatos. Uma tarde o professor parou a aula e saiu da sala. Minutos depois, alguns alunos, entre eles eu, éramos convocados ao SOE pela Margareta. “O que está acontecendo?”, perguntou ela pra mim, que era o líder de turma. “Não sei”, respondo. “Pois o professor vem reclamando há dias que vocês vem se portando pessimamente em aula, que vocês debocham dele”. “Nós, não, impossível”. O professor estava ali na sala do SOE e se manifesta. “É o seguinte, esta turma não me respeita por eu ser baiano, por ser nordestino. São racistas”, declara ele. “Crianças, não vou admitir xenofobia aqui”, dispara a Margareta. Nos olhamos assustados, afinal de contas o que vem a ser xenofobia? “Sou negro, de fora, e eles não aceitam isso. Debocham de meu sotaque, de tudo”, continua ele. Nos defendemos, a gente só diz que acha engraçada a forma de ele pronunciar amigdalas e nada mais. Assim como ele também debocha de características de alguns alunos. A Margareta olha pra ele: “É verdade?” “Sim, professora, ele fica chamando a Rosane de Maria Rosane e por aí em diante”, a gente berra. O clima fica pesado, mas não existe outra solução a não ser termos de conviver com ele até o final do ano. E quase repito de ano.
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