domingo, 16 de junho de 2013

“Narrador”

Em 1987, na faculdade, uma colega do jornalismo, Gisele, diz nunca ter ido a um jogo de futebol na vida. Ela não tinha irmãos, o pai achava que campo de futebol não era lugar para garotas, e o até então único namorado que ela havia tido também não havia concordado em acompanhá-la ao estádio. Ela torcia para o Inter, e pediu que eu a levasse a um jogo no Beira-Rio. Infelizmente este pedido eu não poderia atender. Antes que ela me colocasse no mesmo nível do pai e do ex-namorado, disse que não a levaria ao estádio colorado só pelo fato de ser gremista. “Tudo bem, eu aceito ir no estádio do Grêmio. Só quero ver uma partida de futebol ao vivo. Os times não me interessam”, garantiu a guria. Naqueles dias o Grêmio enfrentaria o Atlético Mineiro pela Copa União, sexta-feira à noite. A Gisele topou na hora. No dia e horário marcado, nos dirigimos pro Olímpico. A gente compra os ingressos, entra na arquibancada inferior. Senta naquela laje fria, comendo amendoim. O jogo começaria só em meia-hora, e vou explicando para ela o sistema do campeonato, a organização dos times, etc e tal. As equipes entram em campo, ela se anima toda, dá pulinhos na arquibancada. Um cara olha pra ela e diz: “Nossa, quanto entusiasmo”. Ela dá um sorriso tímido e fica quieta, de vergonha. Aí a partida começa, e a Gisele parece não entender nada do que está ocorrendo no campo. Olha pra cima, olha pra mim, olha pro campo...”Chico...””O que foi, Gi?””Tá tudo muito quieto, Chico, cadê o cara narrando? Ele só falou o nome dos jogadores lá no começo e depois sumiu...”Antes que eu pudesse falar para a Gisele que não havia narração ao vivo nos estádios, o carinha do lado, que já havia provocado a Gi antes, dá uma gargalhada e chama os amigos dele. “Há, há, há, há...a guria aí quer narração, pessoal... mulher em futebol, não existe”, berra, para delírio dos outros carinhas. A Gisele queria se enfiar num buraco, ir embora, mas depois de todo o esforço para matar aula, mentir pro pai dela, decide ficar, mas pede pra gente trocar de lugar. Priscas eras onde estádio era terreno hostil para mulheres.

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