domingo, 16 de junho de 2013

“Traidor”

Imagina ser gremista nos anos 1970, e ainda criança e negro. E usar óculos. O bullying pegava direto. E nem os adultos perdoavam. Ia ao Tribunal de Justiça, onde a mãe trabalhava, depois da escola, e os colegas dela não poupavam. “Chiquinho, tu tem de ser colorado”. “Bah, teu time perdeu de novo”. Mas acho que o pior era: “Puxa, tu é traidor da tua raça, é gremista, e negrão não pode ser gremista, tem de ser colorado”. Eu chorava de raiva, mas mantinha-me fiel. No colégio, na educação física, nunca dava para se fazer Grenal porque não tinham tricolores suficientes para formar um time. E chega dezembro de 1976. E o Inter vence o Corinthians e se sagra bicampeão brasileiro, e ainda tinha aula no dia seguinte. Final de ano e tortura. Lá vou eu sofrer as humilhações da idade. “Viu, guri, viu guri, tu tem de mudar de time. Aliás, torcer por um time”, falavam os adultos. No Paula Soares só não fui chamado de looser porque ainda não se usava este termo na época. Naquela semana nem quis que o pai me comprasse a Placar, como ele fazia todas as quartas-feiras. No domingo seguinte, o Inter iria receber as faixas de campeão de uma seleção do campeonato. E eu, o pai e a mãe fomos almoçar na casa de um irmão dela, colorado. Na hora do jogo, que passou na tevê, ele diz: “Chicão e Chiquinho, sentem e aprendam o que é um time de verdade. O Chicão tá velho, não vai mais mudar, mas talvez o Chiquinho ainda se salve”, diz o irmão da mãe. Final da partida, e o Inter leva uma surra de 4 a 1. Olho pro pai, sorrio e digo: “Pai, as coisas vão mudar...”. E no ano seguinte, o Grêmio é campeão gaúcho depois de oito anos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário