Guaibadas é uma homenagem a Porto Alegre e o rio/lago que o circunda, cidade em que se passa a maioria das histórias que vou contar aqui. Histórias que aconteceram comigo, com amigos e amigas, com conhecidos e desconhecidos. Alguns causos são hilários, outros apenas divertidos, muitos são tristes, outros não tem nada de especial, mas mesmo assim devem ganhar a luz do dia. Enfim, um olhar sobre o porto-alegrense e suas loucuras.
domingo, 5 de maio de 2013
O beijo
Volto das férias, chego na redação do CP, e ganho o carinho da Lu Winck e da Karina, beijo no rosto. O Claudio Isaias ganha um aperto de mão e reclama: “Puxa, as gurias ganharam beijo”. “Tá bom”, respondo, dando um beijo na bochecha dele. “O Chico me deu um beijo”, espanta-se ele. “Tu pediu”, continuo. Aí o Nildo sai do canto dele e fala: “Pô, depois de velho tu ficou viado”. Nem dou bola, um colega e amigo de priscas eras pediu um beijo e ganhou, qual o problema? Aí lembrei de algo ocorrido há mais de duas décadas. Estava ainda no Colégio Paula Soares, sentado nas escadarias com minha turma, quando aparece o Luís Antônio, que já nos anos 1980 assumira ser gay. Não recordo quem falou, mas disseram para ele não entender como um homem podia beijar outro homem. O Luís nos olha, e retruca: “Normal”. “Não, homem não pode beijar homem”, respondemos. “Ora, vocês nunca beijaram o pai de vocês, o irmão, um tio?”, pergunta o Luís. “Claro que não”, digo, e isso me lembro. “Como vou beijar meu pai, ele é homem”, ressalto. “Bem, eu beijo meu namorado e meu pai”, garante o guri. A gente só falta cuspir no chão, de nojo. Quatro anos depois, me vejo na UTI do Hospital Vila Nova, na zona sul, onde o pai está internado após sofrer um derrame. Barbudo, recém saído da entubação, ele consegue falar: “Filho, pede pra me fazerem a barba”, ele que era todo vaidoso. Chamo o enfermeiro e relato o pedido do pai. “Pode deixar”, me garante o enfermeiro. “Ainda mais que amanhã o seu Francisco vai pro quarto, e deve ganhar alta em dois, três dias”, informa. Vibro, comunico as informações pro pai, que esboça um sorriso. Me inclino e o beijo na testa. Ele deixa escapar uma lágrima, e com dificuldade, me beija na bochecha. Vou pra casa, feliz. No dia seguinte, chego no hospital e vou direto pro quarto que me informaram onde ele estaria. Chego lá e não o encontro. Um segundo depois o médico entra no quarto e entendo. O pai teve um ataque cardíaco cerca de uma hora antes e não resistiu. O chão sob os meus pés some e desabo, num choro convulsivo. Mas pelo menos dei um beijo, que não doeu, em meu pai. Um beijo numa pessoa amada, uma demonstração de carinho. Simples assim.
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